Magistratura: Ela era miss e virou uma juíza linha-dura na região mais pobre do Paraná

bit.ly/2Ie86kO | Vanessa Villela de Biassio, 48 anos, é juíza criminal e eleitoral e administradora do Fórum da Cidade de Andirá (PR). Quem a vê tomando as decisões assim, de maneira tão direta, nem imagina que ela já carregou uma faixa de Miss.

Em 1992, aos 22 anos, concorreu ao Miss Brasil e foi eleita a mulher mais bonita do seu estado. Modelou ainda por uns três anos: fez ensaios para marcas regionais para ganhar uma graninha. Hoje, acompanha a moda pelos jornais e seu negócio é mesmo a magistratura.

Caçula de seis irmãos, Vanessa foi adotada ainda bebê, em Ponta Grossa, a cerca de 100 quilômetros de Curitiba. Ficou casada por 30 anos com o pai de seus filhos -- dois deles,também adotados. O relacionamento terminou há pouco tempo, segundo ela, sem traumas, ameaças ou disputas: "é uma amizade que está sendo construída".

Juíza, sim. Mas mãe primeiro 


Diz que os três filhos têm prioridade absoluta na sua vida e na ordem das suas obrigações. As crianças sempre estão à frente de qualquer compromisso ou decisão.

Aos 22 anos, quando foi eleita Miss Paraná Imagem
O almoço é servido todos os dias com os três na mesa. O dia da escola dos dois mais novos é passado a limpo na hora da refeição, enquanto o mais velho, que estuda à noite, apenas observa. Andirá tem 20 mil habitantes, a 400 quilômetros de Curitiba. Lá, aquele velho ditado parece ser verdadeiro: até os restaurantes fecham para a hora do almoço.

Na família de Vanessa, todos comem sobremesa, tomam um cafezinho e a vida profissional da matriarca começa para valer às 13h. Entra no carro, liga o som, dirige por algumas ruas desertas e para na sua vaga. Ela é juíza criminal há 20 anos e está à frente da comarca de Andirá há 16. Já foi ameaçada pela facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) após condenar um dos chefes na região e precisou de escolta por um tempo.

Já foi miss, mas é linha-dura


É conhecida por ser linha-dura: diz não perder o olhar no humano que está na sua frente nas audiências ou julgamentos, mas também não passar a mão na cabeça. "Se a pessoa fez uma escolha errada, a lei determina que tem que pagar". Mas sabe bem das dificuldades das prisões brasileiras. Para ela, o estado precisa rever com urgência o sistema prisional: "Do jeito que está dificilmente recuperará alguém". A cadeia da sua cidade tem capacidade para 32 presos, mas atualmente vivem no espaço 95 pessoas.

No seu gabinete, há uma pintura de uma favela e uma imagem de Nossa Senhora das Graças. Sua região de atuação, no Paraná, já foi conhecida como o Ramal da Fome. Ali estão as cidades mais pobres do estado, sem grandes empresas ou investimento público, desemprego nas alturas e tráfico de drogas --o local é uma das rotas da droga que vem do Paraguai.

Conservadora, mas humana


Ela diz ser conservadora nos costumes, mas isso não foi empecilho para ei Mariaconceder uma medida protetiva para uma transexual, baseada na Lda Penha, no estado do Paraná, no mês passado. Deva Pinotti, 25 anos, que viveu por 12 anos, com o ex-companheiro, de 37 anos, não aceitou o fim do relacionamento no começo do ano, invadiu a casa em que viviam e quebrou todos os móveis, rasgou as suas roupas e ainda matou a pancadas o cachorro da vítima.

Para a juíza foi uma novidade o pedido. Dias antes, tinha lido um trabalho de uma desembargadora e seguiu na direção de conceder a medida de proteção. "É imprescindível a evolução da sociedade e da Justiça, afinal a pessoa transexual é um ser humano, como outro qualquer. Se o Estado falha em diversas situações com ela, a Justiça não pode se omitir ou virar a cara", frisou. Ainda não sentiu nenhum preconceito a respeito dessa decisão, mas ao pesquisar sobre os casos parecidos, viu ainda o número reduzido de sentenças com o mesmo teor.

A religião e os estudos Vanessa acredita em Deus, é religiosa, mas não gosta mais de frequentar missas. Aproveita as viagens para o exterior para conhecer igrejas e catedrais e pedir proteção. Passou 8 meses em Lisboa, por conta do seu doutorado em ciências criminais, onde inclusive ministrou uma aula na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

"Os magistrados brasileiros vivem muito melhor do que a maioria da população, por isso tento retribuir o máximo que puder no meu trabalho", diz.

Willian Novaes
Colaboração para Universa
Fonte: universa.uol.com.br
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