A análise foi feita pelos desembargadores da 10ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo ao negar, por maioria de votos, recurso impetrado por uma mulher transexual que pedia uma medida protetiva contra o seu pai.
No caso, a mulher alega que sofreu agressões que deixaram marcas visíveis, constatadas por autoridade policial. Ela narra que o agressor chegou em casa alterado e, ao tentar sair da residência, foi imobilizada e jogada na parede, foi empurrada e bateu a cabeça. Ainda foi ameaçada com um pedaço de madeira, mas conseguiu fugir.
O pai, por sua vez, disse que estava seguindo a filha para ver com quem ela saía e que, quando ela percebeu, se atirou na frente de uma viatura que passava e começou a acusá-lo.
O recurso contra decisão de 1ª instância, proferida pela juíza Ana Carolina Gusmão de Souza Costa, da comarca de Juquiá (SP), negando a medida protetiva, foi apresentado pelo Ministério Público.
Na manifestação do MP, o procurador Marco Antônio Ferreira Lima sustenta que "a Lei Maria da Penha (11.340/06) não visa apenas a proteção à mulher, mas sim à mulher que sofre violência de gênero, e é como gênero feminino que a impetrante se apresenta social e psicologicamente".
Ao analisar o caso, o relator, desembargador Francisco Bruno, entendeu de modo diverso. Ele alegou que os Princípios de Yogyakarta, (vinculantes, como já deixou claro o STF), estabeleceram vários direitos considerados de nível constitucional e inalienáveis.
"Todos esses direitos e obrigações são devidos; e, repito, ninguém (de bom senso, é claro) discordará disso. Porém, nenhum deles dá ao transgênero masculino o direito de ser considerado mulher; nenhum, para colocar de outra forma, autoriza a afirmativa de que 'transgênero feminino = mulher' e 'transgênero masculino = homem'", escreveu em seu voto.
O magistrado defende a criação de legislação específica para transexuais e que a "a equiparação do interessado a mulher (e a esta está vinculado o pedido) ofende o princípio da tipicidade estrita e o da proibição da analogia in malam parten".
Por fim, argumenta que seria possível enquadrar o caso no artigo 319 do Código de Processo Penal, como sugerido pelo MP. Contudo, julgou que o caso concreto não dispõe de elementos para justificar o deferimento da medida protetiva, já que o pai, acusado, responde a um processo por desacato, mas nenhum relativo a crime com violência contra pessoa.
Voto divergente
Vencida, a única mulher a compor o colegiado, desembargadora Maria de Lourdes Rachid Vaz de Almeida, proferiu voto divergente determinando a aplicação das medidas protetivas. Ela explicou que "não se pode uniformizar os conceitos de sexo, orientação sexual e gênero, sendo necessário realizar a distinção quanto à abrangência da assinalada proteção específica".
"O que a legislação em referência protege frente aos assinalados conceitos é o gênero e este, respeitados os entendimentos contrários, possui máxima dimensão social/cultural, não biológica", prossegue. "Daí por que o resguardo legal não se restringe apenas ao sexo feminino, mas, sim, ao gênero feminino, o qual engloba não somente mulheres cisgênero como as transexuais, as travestis."
"De outro ângulo, estender-se a proteção especial às transexuais, que são socialmente vulneráveis em perspectiva de gênero, é forma concreta de se garantir a máxima amplitude e efetividade aos direitos fundamentais", concluiu.
1500028-93.2021.8.26.0312
Por Rafa Santos - repórter da revista Consultor Jurídico
Fonte: ConJur