O caso aconteceu em setembro de 2019, enquanto a vítima, que é casada, trabalhava como caixa de supermercado. Sem qualquer consentimento, o homem aproximou-se dela, colocou a mão esquerda em seu ombro e tentou beijar-lhe a boca; mas a vítima virou o rosto e recebeu um beijo na bochecha.
O ato foi registrado pelas câmeras de segurança do supermercado e a vítima afirmou que não conhece e nem possui intimidade alguma com o réu. A mulher afirmou ainda que virou alvo de chacotas em seu ambiente de trabalho e que seu marido também passou por situações humilhantes, o que motivou sua ida à delegacia para o registro de ocorrência.
Para a juíza, a conduta ilícita foi devidamente demonstrada, por meio da filmagem do circuito interno de segurança do supermercado. De acordo com ela, percebe-se das imagens que o homem, sem qualquer aviso, dirigiu-se à mulher e tentou dar-lhe um beijo. Do registro é possível verificar também que a autora, surpreendida, não expressou qualquer reação. Além disso, o requerido não negou a autoria do fato.
"As alegações do homem de que 'em momento algum, após o fato, houve por parte da requerente qualquer manifestação de desconforto ou ausência de consentimento' ou de que não houve humilhação ou constrangimento à honra da autora, é nada menos que indignante, especialmente se analisarmos o contexto vivido atualmente pela sociedade, em que os casos de assédio aumentam a cada dia", frisou a juíza.
De acordo com ela, o ato ilícito foi realizado em plena luz do dia, no ambiente de trabalho da autora, sendo que o município de Itaberaí é relativamente pequeno, onde os fatos rapidamente tornam-se de conhecimento geral de todos, expondo sobremaneira a vítima por meio de comentários maldosos, o que poderia ter afetado, inclusive, seu relacionamento.
Na sentença, a juíza destacou ainda que, nos tempos atuais, vê-se, diuturnamente o crescimento da luta das mulheres por direitos que lhe são básicos e que, em decorrência de "histórico patriarcal e machista de nossa sociedade", acabaram sendo diminuídos, esquecidos e até ignorados. Para ela, é importante enfatizar que fatos como os que foram narrados "são verdadeiramente estarrecedores". "Em que momento normalizou-se, em nosso meio, a conduta de um ser desconhecido, por desejo, tomar liberdade e surpreender uma mulher em seu ambiente de trabalho com o beijo? E, aqui, é totalmente indiferente se a vontade era que o beijo fosse na boca, no rosto ou em qualquer outro lugar, pois a mulher não é e não pode ser vista com um objeto para satisfazer a vontade de um homem", salientou a julgadora.
A juíza pontuou ainda que a importunação sexual foi recentemente criminalizada e incluída no Código Penal Brasileiro no artigo 215-A, pela Lei 13.718/18, cuja conduta típica se traduz em praticar ato libidinoso na presença de alguém de forma não consensual, com o objetivo de "satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro". O caso mais comum, de acordo com ela, é o assédio sofrido por mulheres em meios de transporte coletivo, mas também podem ser enquadradas ações como beijos forçados e toques no corpo alheio sem permissão.
Foi aplicado ao caso o artigo 186 do Código Civil, que define ato ilícito e, por consequência, estabelece a obrigação de reparação dos danos daquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, como também daquele que violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral. A juíza também considerou o dano moral in re ipsa — ou seja, presumido, que independe da demonstração de efetiva dor, sofrimento ou abalo psicológico sofrido pela vítima. "É sabido que a obrigação de indenizar calcada na responsabilidade subjetiva somente surge se cumpridos quatro requisitos: a existência de um ato ilícito, a ocorrência de um dano, o nexo causal entre um e outro, e a culpa em sentido amplo", explicou.
A vítima foi defendida pelo advogado Carlos Magno Alexandre Vieira, do escritório Carlos Magno Advocacia. Com informações do Centro de Comunicação Social do TJ-GO. Número do processo não divulgado.
Fonte: ConJur