Advogada usa poesia para pedir prorrogação de prazo em ação na Justiça

Nem só de “juridiquês” se faz um processo, e a advogada Andreia Bacellar pode provar. Ela escreveu uma poesia solicitando um prazo maior para uma petição no Juizado Especial Cível de Formosa, no interior de Goiás, e conseguiu deferimento.

Andreia precisava de mais tempo para encontrar o endereço do paradeiro de um veículo pertencente ao devedor de seu cliente e entendeu que deveria usar uma estratégia diferente para convencer o magistrado Rozemberg Vilela da Fonseca.

“Esse processo foi literalmente uma ‘pedra no meu caminho’, pois quase tudo que era peticionado para o juiz, era negado em razão de manobras feitas pela outra parte, motivo pelo qual entendi que era preciso inovar na petição”, conta a advogada, que acompanha o caso desde 2018.

Andreia queria demonstrar para o magistrado que, por trás da “petição fria”, existia a angústia daquele que buscava por justiça e o desalento da advogada que precisava de mais do que os cinco dias dados por ele para cumprir a busca determinada.

> Processo: 5130742-37.2018.8.09.0045

Assim, ela escreveu:

"Nesse momento recorro à poesia,

Para amenizar o desalento,

Desapontamento da causídica desta ação.

Pois de todo coração,

Diante da nova certidão, (evento Nº74),

Não há muito o que fazer, a não ser…

Requerer com toda reverência

A sabedoria da vossa excelência

O alongamento do prazo para que o autor desta Ação

Tenha condição de apresentar o paradeiro do veículo em questão."

O resultado, para a alegria da advogada e de seu cliente, foi satisfatório. “Felizmente, a poesia expandiu o horizonte de possibilidades, e o juiz refletiu por um ângulo ainda não observado em situações anteriores, e deu certo, o prazo foi prorrogado para mais 30 dias”, comemora, sobre a decisão emitida no último dia 28 de maio.

"O juiz em sua decisão demonstrou humanidade e teve a sensibilidade de entender que o meu pedido realizado em forma de poesia não era desrespeito, apenas uma maneira diferente de chamar a sua atenção naquele processo. Quanto ao autor da Ação, ficou surpreso com a decisão, ele quase não acreditou, achou que o Judiciário estava muito distante da arte e da poesia", partilha.

DIREITO E POESIA

A advogada reconhece que as pessoas não se sentem próximas do Judiciário, imaginando juízes e desembargadores como seres inalcançáveis. Mas, para ela,  isto é um equívoco.

“Tenho percebido que os magistrados, principalmente no Estado de Goiás, estão cada vez mais abertos a novos conceitos e a um diálogo franco com a sociedade”, observa.

Andreia considera o “juridiquês” uma “lástima”. “Entendo que a formalidade é importante dentro de Judiciário, mas o excesso de formalidade me incomoda, porque não retrata a nossa realidade e os anseios da sociedade”, avalia.

A advogada também critica o "copia e cola" das petições, entendendo que cada caso é um caso, ou, seguindo o velho ditado, "o que é bom para o ‘Francisco’ pode não ser para o ‘Chico’".

Para ela, que advoga há dez anos, a Cultura e a Arte são a fórmula para prevenção do colapso social que nos assombra. “Sou convicta de que são fatores importantíssimos, primordiais no desenvolvimento do intelectual e no entendimento universal no que tange às questões sociais que assolam a população”.

Andreia compreende ainda que o Direito e a Arte buscam fontes diversas e se cruzam em pensamentos filosóficos.

"A Arte pode contribuir para a instauração de uma nova cultura jurídica, ajustada pelo pluralismo e pelo pensamento crítico do Direito".

OUTROS CASOS

Apesar de não ter formação em Literatura, a admiração da advogada pela área vem de longe. “Todo bom causídico deve ler, seja lá o que for. A leitura abre os horizontes. Na minha época de estudante, no Colégio Nossa Senhora do Carmo (Teresópolis – RJ), minha professora, ‘irmã Rizette’, dizia que quem não sabe ler, também não sabe escrever. Daí nasceu o gosto pela leitura e pela poesia”, contextualiza.

Andreia é fã de Cora Coralina, Carlos Drummond de Andrade, entre outras inspirações. “Eu ‘arranho’ de vez em quando nas minhas petições, mas nada que chegue à altura de grandes que abrilhantam nossa literatura”, diz.

Na década de 1990, atuando como assistente de um advogado em Teresópolis, ela sugeriu que ele usasse a poesia em uma de suas petições sobre guarda de menor. Funcionou.

“Recentemente usei em grau de apelação a poesia para fundamentar uma adoção de pai estrangeiro, que foi indeferida em decisão de primeiro. O meu recurso de apelação ainda não foi analisado, mas espero que dê certo”, aguarda.

A advogada partilha que já ouviu falar de outros colegas que também usaram a poesia em suas petições e foram bem-sucedidos. Ela acredita que estamos vivendo uma mudança de paradigmas, na qual podemos encontrar apoio no Judiciário, que outrora já foi mais conservador.

"A vida não tem graça sem a arte! A arte pode nos dar a possibilidade de pensar de maneira diferente, inovar, tocar o coração do próximo, e isso é muito importante numa sociedade, principalmente nesse momento tão difícil que estamos atravessando de pandemia", finaliza.

Fonte: Diário do Nordeste

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