A medida altera em definitivo o artigo 131 do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, que antes previa o critério mínimo de 30% e máximo de 70% para cada sexo. Quanto à política de cotas raciais, que não constava na norma anterior, a regra será válida por 30 anos – o equivalente a dez mandatos trienais – contando a partir de 2021.
Durante a avaliação da proposta, a OAB Nacional também aprovou a realização de um censo entre todos os associados para mensurar a porcentagem de advogados negros em cada seccional.
Cotas na OAB dividem opiniões entre advogados associados
A implementação de paridade de gênero e política de cotas raciais divide opiniões entre os associados. Advogados contrários à medida alegam que as cotas na OAB são uma forma artificial de trazer mais diversidade ao dia a dia da entidade em detrimento da busca efetiva por aumentar a participação de diferentes grupos socais. Segundo eles, as medidas também podem prejudicar a formação das chapas.
Geraldino Santos Nunes Júnior, conselheiro da seccional do Distrito Federal da OAB, explica que a baixa participação de mulheres e negros em cargos de diretoria se deve principalmente à limitação que a entidade tem em trazer esse público para a participação política na Ordem.
“Percebo que os advogados, em sua grande maioria, são avessos à política da OAB, e a solução para isso é a Ordem começar a se aproximar mais da advocacia. A partir do momento em que precisa de cotas para garantir a presença de negros e mulheres, acho que já está se falhando na missão, que é conscientizar os advogados à participação”, argumenta. "A implantação das cotas é uma forma de tapar o sol com a peneira", afirma o conselheiro do DF.
Para Nunes Júnior, implantar uma medida como essa sem mudar a dinâmica da entidade junto à classe não mudará o cenário de baixo interesse por parte de mulheres e negros em participar das eleições. “A OAB deveria fomentar isso, mostrando para o advogado que sua participação política é importante. Quanto mais bem representados estivermos por todos os grupos, é muito melhor para toda a classe”, destaca. Ele ressalta que atualmente não existe nenhuma limitação para a participação política de qualquer grupo social na entidade.
Para Luiz Antônio Magalhães, que é pré-candidato em uma das chapas que concorrerá à diretoria da seccional do Rio de Janeiro, a exigência do número de candidatos com determinadas características dificulta a montagem das chapas e favorece as atuais diretorias das seccionais. O advogado explica que grupos de oposição sentem grande dificuldade em encontrar o número suficiente de pessoas que se adequem à atual formatação determinada pelas novas regras.
“A limitação de candidatos ‘a’, ‘b’ ou ‘c’ certamente beneficia somente quem já está no poder e usa a máquina administrativa para escolher os membros de sua chapa com muito mais facilidade”, observa Magalhães. “Na hora de o candidato da situação formar a chapa para eleição, ele tem tudo em mãos, já a oposição fica uma condição muito difícil dentro desses termos. É uma concorrência desleal”, aponta.
Por outro lado, a principal argumentação dos defensores da medida tem a ver com o fato de a Ordem, que atualmente soma 1,2 milhão de advogados inscritos, contar com um número maior de mulheres do que homens, porém ter poucas mulheres nas diretorias da entidade.
Quanto à questão racial, favoráveis à medida argumentam que há baixa presença de negros na política da Ordem, que a entidade nunca teve um presidente negro e que há apenas um conselheiro federal negro da entidade – André Luiz de Souza Costa –, que é o autor da proposta que deu origem à normativa sobre cotas na OAB. A Gazeta do Povo tentou contato com o advogado, mas não houve retorno até o fechamento desta reportagem.
Para Cristiane Damasceno Leite, copresidente da OAB/DF, a implementação das medidas é imprescindível para dar lugar a grupos que historicamente estão fora dos espaços de poder. Ela diz que a implantação da paridade de gênero tem a ver com o fato de as mulheres serem 52% da advocacia brasileira; já as cotas, diz ela, vieram para uma reparação histórica. “Isso é dar voz para uma pauta que para a sociedade brasileira é muito cara, e a OAB, como instituição que preza pelo Estado Democrático de Direito, precisa ser propulsora desse tipo de ação”, afirma.
“Quando se fala dessa pauta de mulheres e negros, a gente passa por um processo de invisibilidade, somos pessoas invisíveis. Em razão disso, acaba-se não prestigiando essas pessoas para estarem nesses lugares. Por isso a paridade e as cotas se mostraram medidas de muita importância”, opina Cristiane.
Presença de mulheres e negros tem crescido
De acordo com fontes ouvidas pela reportagem, tem havido um crescimento progressivo quanto à presença de mulheres e negros nas chapas para cargos de direção da OAB. Os advogados ressaltam, porém, que o caminho a ser percorrido deve ocorrer de maneira natural, e não artificial.
Nunes Júnior – cuja chapa já havia alocado mais de 50% de mulheres, nas eleições anteriores, independentemente da resolução – defende que um trabalho de aproximação da OAB junto à classe resultaria em futuras composições de chapa naturalmente mais heterogêneas. “Com a imposição de cotas não vamos mudar a cabeça das pessoas. Apenas um trabalho de conscientização aos advogados negros e às mulheres sobre a importância da sua participação na Ordem é capaz de mudar isso a longo prazo e de forma natural”, salienta.
Para o conselheiro da OAB-DF, há advogados que têm se manifestado favoravelmente às cotas por questão ideológica, porém ainda não haviam buscado compor suas chapas de forma mais heterogênea.
Apoiador do sistema de cotas, o presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz, comemorou bastante a aprovação da resolução que instituiu as cotas de gênero e raça na OAB, chegando a se referir como “um dos seus dias mais felizes na Ordem dos Advogados”. A diretoria formada por Santa Cruz na chapa vencedora em 2019, no entanto, não conta com a presença de nenhuma mulher e de nenhum negro.
A Gazeta do Povo solicitou entrevista com algum porta-voz da OAB, mas não houve retorno ao pedido.
Por Gabriel Sestrem
Fonte: Gazeta do Povo