A 2ª Turma da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) adotou esta posição ao negar provimento ao recurso de apelação do Ministério Público contra sentença da 1ª Vara Criminal de Camaçari, na região metropolitana de Salvador, que absolveu evangélica acusada de suposta discriminação aos praticantes do candomblé.
O MP queria a condenação da mulher com base no artigo 20, caput, da Lei 7.716/1989. A regra pune com reclusão de um a três anos e multa quem pratica, induz ou incita a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
"A discriminação preconizada na norma penal guarda relação com o objetivo de anular ou restringir direitos humanos e liberdades fundamentais nos diversos campos ou domínios da vida em sociedade, o que não se configura no caso dos autos", frisou o desembargador Ícaro Almeida Matos, relator da apelação.
Os demais componentes do colegiado seguiram o relator. O MP recorreu sob argumento de haver provas suficientes da autoria e materialidade para a condenação. A Procuradoria-Geral da Justiça opinou pelo improvimento da apelação.
"Ide e pregai o Evangelho"
A ré negou a intenção de ofender o candomblé ou os seus praticantes e disse que há 27 anos aborda pessoas na rua para "levar a palavra de Deus". Conforme a evangélica, sem maltratar as pessoas e as outras religiões que seguem, ela apenas põe em prática a orientação bíblica de "ide por todo o mundo e pregai o Evangelho".
Conforme o acórdão, depoimentos em juízo mostram que a apelada apenas tentou convencer a vítima a professar a sua fé cristã, sem o dolo específico exigido pelo tipo imputado, apesar da insistência e do uso do linguajar "Satanás, corrente do mal, inferno".
O praticante do candomblé contou que a evangélica o abordou quando ele entrava em um carro, momentos após terem participado de reunião no MP. A pauta do encontro foi intolerância religiosa. A mulher identificou o credo do homem pelas roupas que ele usava e lhe disse que Jesus é o caminho da salvação e ia libertá-lo de Satanás.
O colegiado não vislumbrou nos autos "qualquer prova de que tenha havido preconceito, ofensa, discriminação ou palavras odiosas contra a religião da vítima (candomblé), embora não se negue a inconveniência da abordagem insistente realizada pela apelada".
Para a 2ª Turma da 1ª Câmara Criminal, a conduta da apelada, numa sociedade pluricultural, se insere no cenário da diversidade de religiões e decorre, especificamente, da "liberdade de proselitismo (busca ativa por novos fiéis)", essencial ao exercício da expressão religiosa da evangélica.
Ao absolver a ré, o juiz Ricardo Dias de Medeiros Netto justificou que a sua abordagem inconveniente não alcança adequação típica, "assim como não realizam o tipo penal as palavras ditas voltadas a retirar o praticante do candomblé das trevas ou torná-lo pastor".
0304589-34.2017.8.05.0039
Por Eduardo Velozo Fuccia
Fonte: ConJur