O projeto busca tornar mais rigoroso o standard probatório necessário à quebra da inviolabilidade do escritório ou do local de trabalho do advogado. Além da necessidade de observância aos atuais requisitos legais, previstos no artigo 7º, § 6º do Estatuto da OAB, passaria a constituir crime de violação de prerrogativa a quebra de inviolabilidade fundada meramente em indício, depoimento ou colaboração premiada, sem a presença de provas periciadas e validadas pelo Poder Judiciário.
Um representante da OAB deve estar presente no momento de busca e apreensão para impedir a retirada ou registro fotográfico de documentos, mídias e objetos não relacionados à investigação e de outros processos do mesmo cliente. Em relação aos documentos, computadores e outros dispositivos apreendidos, deverá ser garantido o direito de um representante da OAB e do profissional investigado de acompanharem a análise do material em local, data e horário informados com antecedência mínima de 24 horas.
Segundo advogados ouvido pela ConJur, o projeto é importante para concretizar os comandos constitucionais do exercício da advocacia e do direito a defesa, garantindo o ambiente seguro do escritório de advocacia e protegendo a necessária relação de confiança entre cliente e advogado.
Para Cristiano Zanin Martins, advogado que inclusive teve o sigilo telefônico quebrado sem autorização judicial pelo consórcio da "lava jato" de Curitiba, "esse projeto de lei é muito importante para fortalecer as prerrogativas dos advogados, que buscam proteger a sociedade e o direito de defesa".
"As inúmeras arbitrariedades praticadas no passado recente no âmbito da chamada operação "lava jato" evidenciam a necessidade desse reforço legislativo. Os agentes públicos que integraram aquela operação ficaram impunes pelos absurdos que cometeram, um deles por prescrição, após o CNMP ter adiado por 42 vezes do julgamento. Espero ao menos que esse histórico lamentável sirva para reforçar a necessidade de o projeto ser transformado em lei o mais breve possível", completa Zanin.
"E resguarda o advogado de arbitrariedades e protege melhor a cidadania como um todo", complementa o criminalista Alberto Zacharias Toron,
Ana Manoela Nepomuceno, advogada do escritório Daniel Gerber Advogados, disse que, embora os métodos alternativos de resolução de conflitos sejam absolutamente legítimos e representem uma evolução na aplicação do Direito Penal Brasileiro, a supervalorização de um acordo de colaboração premiada pode ser perigosa.
Assim, para ela, o projeto de Lei 5.284/20 é fundamental para evitar que uma declaração, unilateral e subjetiva, que visa a obtenção de um benefício pessoal ao agente criminoso, possa ser utilizada de forma desarrazoada e ilimitada, sem qualquer outro elemento corroborativo, "permitindo violações a direitos fundamentais de terceiros que, de alguma forma, conectam-se com o indivíduo ou com o caso, mas não são destinatários daquela lei penal".
O advogado Leonardo Magalhães Avelar, sócio do Avelar Advogados, enfatizou que, em alguns casos, componentes da administração da Justiça e da persecução penal, com personalidade autocrática, podem ceder à tentação de criminalizar a advocacia, com o objetivo estratégico de intimidar os profissionais e eliminar o exercício pleno da defesa de seu cliente.
"Por essa visão tirânica de alguns personagens caricatos que, infelizmente, não compreenderam a sistemática jurídica de um País democrático, o Projeto de Lei, embora diga o óbvio, é um bálsamo para mitigar excessos e abusos que, pontualmente, remanescem em nossa Justiça", declarou.
A criminalista Mayra Mallofre Ribeiro Carrillo, sócia do Damiani Sociedade de Advogados, afirmou que "já estava mais do que na hora de dar um basta aos abusos cometidos pelos órgãos de persecução penal contra o exercício da advocacia".
Ela disse acreditar que essa inovação legislativa não significa qualquer tipo de privilégio infundado, pois a preservação das garantias ao direito de defesa são do interesse da sociedade como um todo, e é essencial para a manutenção do Estado democrático de Direito.
Antônio Carlos de Freitas Júnior, especialista em Direito Constitucional pela USP, destacou que "advogar é um verdadeiro sacerdócio de defesa e o seu escritório é um templo na qual o cliente se desnuda para compreender todos os seus comportamentos e suas consequências aos olhos do direito".
"Só há advocacia de verdade e justiça em sociedades que criam ambientes seguros para que a relação entre cliente e advogado ocorra com sinceridade e intensidade. Nem o cliente deve temer a ponto de se sentir impedido de confiar em seu advogado e no ambiente do escritório, nem o advogado deve temer o seu ofício seja confundido com atividades dos seus clientes", lembrou Freitas Júnior.
Segundo o advogado criminalista André Galvão, sócio do Bidino & Tórtima Advogados, dada a necessária desconfiança que recai sobre a palavra do colaborador, que nada mais é do que um terceiro interessado em obter benefícios por meio de sua colaboração, a rigidez do standard probatório se justifica, sobretudo por ser a advocacia atividade essencial ao funcionamento da Justiça, conforme dispõe a Constituição.
Para o jurista Lenio Luiz Streck, professor, advogado e colunista da Conjur, o projeto caminha na direção do aperfeiçoamento do sistema de provas e prerrogativas profissionais. A ADPF 919 trata do assunto "delação como único meio de prova". Como um dos subscritores da arguição, Lenio diz que o projeto caminha no sentido correto.
Outras inovações
Quanto ao poder de intervenção do advogado em instâncias investigatórias ou de julgamento, o PL permite ao profissional usar da palavra, pela ordem, em qualquer tribunal judicial ou administrativo, em órgãos deliberativos da administração e em comissões parlamentares de inquérito (CPIs).
Para Daniel Bialski, advogado criminalista, mestre em Processo Penal pela PUC-SP e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, sócio de Bialski Advogados, essa mudança é positiva porque amplia as hipóteses de atuação dos advogados.
"Há muito tempo, eles afirmam que têm sido vítimas de abusos, principalmente em Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), onde há a proibição da participação mais efetiva, intervenções e aparte. Esta nova norma possibilita, expressamente, que possamos exercer nossas funções de forma mais ampla em qualquer esfera, ato ou Corte", pontuou.
O texto também proíbe o advogado de fazer colaboração premiada contra quem seja ou tenha sido seu cliente, sujeitando-se a processo disciplinar que pode resultar em sua exclusão da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Nesse ponto, de acordo com Matheus Falivene, advogado criminalista e doutor em Direito Penal pela USP, a aprovação do projeto é promissora, pois, evita que os órgãos de persecução penal persigam criminalmente os advogados com a única finalidade que eles façam delações contra seus próprios clientes.
Posição da OAB
O Conselho Federal da Ordem do Advogados do Brasil reafirmou a importância do projeto. O presidente Beto Simonetti destaca que a proposta diminui as chances de as investigações usarem atalhos ilegais para considerar resolvidos casos criminais sem encontrar os verdadeiros culpados. "O texto também reforça, o que nunca é demais, a garantia do direito à ampla defesa e ao devido processo legal", disse.
Segundo Simonetti, o projeto contribui efetivamente para a garantia da defesa dos direitos do cidadão em juízo. "Na medida em que a cidadã e o cidadão precisam da advocacia para fazer valer seus direitos, para se apresentarem de forma qualificada perante a Justiça, o texto também é importante para a sociedade, que necessita de advogados altivos e independentes. Quando o advogado é respeitado, o cidadão é valorizado."
Também lembrou que o Código de Processo Penal já estabelece que os vestígios de qualquer situação de crime ou potencial crime precisam, obrigatoriamente, ser submetidos ao exame de perícia oficial, de modo isento e equidistante das partes. Por esse motivo, a simples palavra dos delatores interessados em obter vantagens não pode ser usada, sozinha, como elemento de prova e confirmação absoluta dos fatos narrados.
"O Estado precisa dar respostas às questões levantadas nos últimos anos em diversos casos judiciais, inclusive com grande repercussão social. Entre essas questões estão, por exemplo, o espaço existente para que investigadores possam coagir delatores e manipular processos. E é pelo instrumento da lei que podemos e devemos responder a essas inquietações", conclui Simonetti.
O outro lado
Em nota, sete entidades de classe representantes de várias categorias da segurança pública em âmbito nacional afirmaram que é "ilógica" a proibição de busca e apreensão com base em delações premiadas e alertam para possíveis consequências temerárias.
"Ressalte-se que esta cláusula legal proibitiva aos indícios criará inédito precedente legislativo, não abarcando ou aproveitando nenhuma outra categoria de cidadãos deste país. Ademais, não são comuns os casos de envolvimento comprovado de escritórios de advocacia em atividades criminosas, tratando-se de situações extraordinárias que não justificam a aprovação de um dispositivo legal alargado em alcance e que fomenta um exemplo de impunidade ao país", escreveram.
De acordo com a nota, toda medida judicial cautelar restritiva de um direito fundamental já é inerentemente extraordinária e enseja demonstração cabal de justa causa em qualquer procedimento criminal. "Dessa forma, causa estranheza criar legalmente uma restrição específica, a qual inclusive destoa de toda sistemática prevista no Código de Processo Penal e em relação a todo ordenamento jurídico em vigor."
Fonte: ConJur