Antes de se formar em direito, ver as filhas com curso superior e mudar o destino de toda família, dentro da periferia, ela precisou lutar contra a pobreza e o preconceito.
A infância da advogada negra, moradora da favela Morro das Pedras, na Região Oeste de Belo Horizonte, foi marcada pela resistência.
Aos 7 anos, ela começou a ajudar a mãe a fazer faxinas em restaurantes e casas de família. Marli tem outros quatro irmãos. A mãe dela sustentava a casa sozinha.
Aos 12 anos, Marli começou a trabalhar sozinha como diarista. Ela engravidou aos 15 e precisou abandonar os estudos para cuidar da filha.
"Eu chorava vendo meus amigos indo para a escola. Quando minha filha fez 2 anos, eu consegui fazer um curso técnico em enfermagem, trabalhei por 10 anos nesta área e tive mais filhos", contou.
Realizar o sonho dos filhos
Marli disse que, para realizar o sonho da filha mais velha de fazer um curso superior, mudou de atividade.
"Só depois que abri uma loja no morro foi que consegui juntar dinheiro para os estudos. Eu já sabia que eles não teriam condições de disputar uma UFMG, por exemplo. Por isso paguei cursinhos e escola particular", disse ela.
Cristiane, a filha mais velha, foi a primeira mulher da família a ingressar na faculdade.
Família de Marli durante baile de formatura dela, em 2006. — Foto: Arquivo pessoalFoi aí que a mãe orgulhosa resolveu prestar vestibular para direito com a intenção de incentivar ainda mais os outros filhos. Ela se formou em 2006.
"E, para mostrar que era possível fiz vestibular, eu passei. Eu tinha mais de 40 anos, formei com 46 anos e passei na OAB também. Hoje atuo na área criminal e tento mostrar na minha comunidade que todos precisam lutar pelos seus direitos", disse Marli.
Atualmente, Marli tem em casa uma psicóloga, uma professora e uma assistente social. Já o filho adotivo, de 20 anos, "está tentando", disse ela.
Marli tem em casa uma psicóloga, uma professora e uma assistente social. O filho adotivo, de 20 anos, continua tentando. — Foto: Arquivo pessoal“Aprender não ocupa espaço, não existe idade para você aprender, lutar. Enquanto estiver viva, você luta”, falou.
'Sofro preconceito 24 horas por dia'
Mesmo com a situação da família melhorando a cada dia, o que não muda é discriminação. Marli contou que sofre preconceito pela idade, por ser negra, periférica e, sobretudo, por ser mulher.
"Sofro preconceito 24 horas por dia, por ser negra, por ter 56 anos e por ser mulher. Até hoje, antes de mostrar minha carteirinha de advogada, o tratamento é outro. Não botam fé. Só depois entendem que sou capaz. Minha vida é 'matar um boi' todos os dias", desabafou.
Marli contou que a força da família vem do conhecimento.
"Os estudos transformaram a vida da nossa família, todo mundo inspirado, primos e sobrinhos. Eu sempre ensino que aqui não se abaixa a cabeça pra ninguém", disse ela.
Marli com as filhas e mãe na varanda de casa, no Morro das Pedras. — Foto: Arquivo pessoalFonte: g1