Justiça do Trabalho determina indenização de R$ 350 mil a idosa que vivia em condição análoga à escravidão

Via @portalg1 | A Justiça do Trabalho determinou que uma idosa que era mantida em situação análoga à escravidão em uma casa na região do Alto de Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo, seja indenizada em R$ 350 mil por danos morais.

No entendimento da 12ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2), os ex-patrões exploravam os trabalhos domésticos da mulher sem o devido pagamento de salários, benefícios e tributos previstos na legislação.

De acordo com o processo, a mulher prestou serviços em três casas da mesma família, entre os anos de 1998 e 2020 (leia detalhes abaixo).

Inicialmente, ela era paga com um salário de R$ 300, mas depois passou a trabalhar apenas em troca de um lugar para morar no fundo de um dos imóveis, para onde se mudou em 2011 após perder a casa em uma enchente.

“Não estamos falando de uma situação normal de trabalho, mas de uma forma de submissão da pessoa ao talante de outras que a explora, negando-lhes a condição de empregada e até de ser humano, na medida em que, as submete a uma condição definida por lei como análoga à de escravo”, escreveu o juiz federal Jorge Eduardo Assad.

Além da indenização, o juiz também determinou que a mulher tenha os direitos trabalhistas reconhecidos pela família, que terá que assinar a carteira da ex-empregada, recolhendo salários antigos, contribuições previdenciárias e Fundo de Garantia do Tempo de Serviços (FGTS).

Os três membros da família também foram condenados a pagar R$ 300 mil por danos morais coletivos. Os valores devem ser recolhidos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

O g1 procurou o advogado de defesa da família, mas não recebeu retorno até a última atualização dessa reportagem.

Caso onde a mulher foi resgatada — Foto: MPT/Divulgação

Resgate em 2020

Segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT), a idosa permaneceu trabalhando para a família 13 anos sem registro em carteira e sem direito a férias, 13º salário e outros benefícios previstos na legislação trabalhista.

A partir de 2011, a idosa foi morar na edícula de um dos imóveis dos ex-patrões, deixando de receber salário, segundo a Defensoria Pública da União (DPU), que defende a vítima.

A mulher foi resgatada em 2020 por uma operação do Ministério Público do Trabalho (MPT), após denúncia recebido pelo Disque 100.

Um dos três ex-patrões da idosa era uma executiva de uma empresa de cosméticos, que foi demitida da empresa dias depois do resgate promovido pela polícia e pelo MPT.

Na época do resgate do MPT, moradores vizinhos do imóvel em Alto de Pinheiros informaram à polícia que a doméstica trabalhava praticamente em troca da moradia Disseram também que por várias ocasiões a ajudavam com alimento e itens de higiene, além de relataram episódios de discussão e de omissão de socorro.

Ao determinar a indenização, o juiz Jorge Eduardo Assad reconheceu que a idosa tinha sua liberdade cerceada na casa onde vivia, que tinha o banheiro trancado para impedir o uso e também sofria privações.

“Resta patente que a obreira, empregada doméstica residente em imóveis da entidade familiar estava reduzida à condição análoga à de escrava, eis que, sujeita a condições degradantes de trabalho, percebendo salários em muito inferiores ao mínimo, quando os recebia, com limitações e impedimento de uso ao banheiro, recebendo comida e medicamentos de vizinhos, arcando com despesas dos empregadores, referentes à água e à luz e sofrendo descontos salariais para pagamento de rações de animais pertencentes aos empregadores, sofrendo, ainda, restrições à liberdade, à locomoção e acesso à sua pessoa, além de desamparo dos empregadores em momento de acidente”, disse o juiz.

“A obreira era pessoa humilde e tinha medo dos réus e, além disso, tinha receio de não receber o que de direito, o que gerou uma espiral em que a trabalhadora, não conseguia se desvencilhar dessa deplorável situação”, escreveu o juiz.

Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região, no Centro de São Paulo — Foto: Paula Paiva Paulo/G1

Histórico do caso

De acordo com o MPT, a trabalhadora foi contratada em 1998 por uma executiva do ramo de cosméticos, sem registro em carteira, sem férias ou 13º salário.

Nos primeiros anos, a doméstica não morava no emprego, mas em 2011, segundo depoimentos colhidos, a casa em que morava foi interditada e a patroa ofereceu para que ela fosse morar na casa de sua mãe, onde ficou cerca de cinco anos.

Naquele mesmo ano, a patroa passou a residir em outra cidade, mas manteve os serviços da empregada para uma das filhas que continuou na casa. Pouco mais de dois anos depois, a filha da patroa foi morar no exterior e uma outra filha e seu então namorado, atual marido, mudaram-se para a casa, ficando responsáveis pelo pagamento do salário de R$ 250 à doméstica.

De acordo com depoimentos, a doméstica trabalhava de segunda a sexta-feira na casa da patroa e, paralelamente, cuidava da casa da mãe da patroa, onde morava. Fazia a limpeza e pagava as contas de água e luz da residência porque temia que fossem cortadas.

No ano de 2017, a casa da mãe da patroa foi vendida e a doméstica passou a morar no depósito no quintal da casa onde foi encontrada.

Desde o início da pandemia, os patrões não permitiram mais a entrada da doméstica na casa, tendo sido mantidos trancados o quintal e o banheiro, impedindo que a vítima realizasse suas necessidades sanitárias. Para o banho, a idosa usava um balde e caneca. Segundo consta em depoimentos, a doméstica sofreu um grave acidente de trabalho e não foi socorrida, tendo passado uma semana com dores e hematomas, sem receber alimento ou cuidados.

No dia 16 de junho de 2020, os empregadores mudaram-se para Cotia sem comunicar a vítima, que foi abandonada no quintal. Ao chegarem ao local, no dia 18, uma equipe da Polícia Civil entrou na casa enquanto outra foi até o novo endereço dos patrões em Cotia.

Em seu depoimento, a moradora confirmou que a doméstica dormia, desde o ano de 2017, no cômodo destinado a depósito e que realmente não tinha conhecimento de como ela fazia para o usar o banheiro. Os réus negam a relação de emprego, alegando que no passado a vítima trabalhava esporadicamente, como diarista, mas que nos últimos anos não mais fazia trabalhos domésticos.

A proprietária do imóvel afirma que a vítima chegou a morar “de favor” na casa de sua mãe e que quando a casa foi vendida, a acolheu, por pena, enquanto ela procurava por um lugar para morar. Após pagamento de fiança, a ré foi liberada. A proprietária da casa, assim como sua filha e o marido desta, os atuais moradores da residência, responderão por omissão de socorro, abandono de incapaz e por redução a condição análoga à de escravo.

Fonte: g1

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