Mulher que fez ofensas racistas e homofóbicas em padaria de SP tem 'transtorno de personalidade', diz laudo

Via @portalg1 | A mulher que há quase dois anos viralizou nas redes sociais ao aparecer em vídeo, agredindo e ofendendo com palavras racistas e homofóbicas clientes e funcionários de uma padaria da Zona Oeste de São Paulo, tem "transtorno de personalidade", é "semi-imputável" (compreende parcialmente o que faz), e precisa ser internada para "tratamento psiquiátrico" (veja o vídeo aqui).

Essa foi a conclusão do exame de incidente de insanidade mental feito em fevereiro deste ano em Lidiane Brandão Biezok, de 46 anos, por determinação da Justiça. O resultado do teste apontou que a bacharel em direito possui uma doença mental sem cura que requer internação e uso de remédios. O g1 não conseguiu localizar a defesa dela para comentar o assunto até a última atualização desta reportagem.

Como a mulher foi diagnosticada com "transtorno de personalidade emocionalmente instável do tipo boderline", existe a possibilidade de que a mulher não seja responsabilizada criminalmente pelos ataques que fez em 2020 na Dona Deôla, no bairro de Perdizes. Ela chegou a ser presa pela Polícia Militar (PM) à época. Depois foi liberada.

A Justiça determinou que Lidiane fosse entrevistada por peritos do Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo (Imesc) justamente para saber se ela deve responder pelos crimes de injúria racial, lesão corporal e homofobia pelo que cometeu contra as vítimas na padaria. Ou se tem de receber tratamento médico, em razão de alguma doença mental que eventualmente possua e a impediu de se controlar emocionalmente naquela ocasião.

Como a defesa de Lidiane contestou o exame, a magistrada optou por pedir que a perícia que fez o incidente de insanidade mental responda a alguns questionamentos sobre o resultado do teste.

Até a última atualização desta reportagem a juíza Carla de Oliveira Pinto Ferrari, da 20ª Vara Criminal, no Fórum da Barra Funda, ainda não havia decidido se aceitava o resultado do laudo médico e aplicava medidas cautelares de internação para Lidiane pelo período de até 3 meses, como sugeriu a perícia. Ou se rejeitava o exame e dava seguimento ao processo criminal contra a bacharel.

O transtorno de personalidade boderline que Lidiane possuí, segundo o Imesc, é uma das doenças mentais descritas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Ela aparece sob os códigos F60.31 e 10 na Classificação Internacional de Doenças (CID).

De acordo com o laudo médico, a doença mental de Lidiane a torna impulsiva, agressiva, com humor instável podendo ter "comportamento disfuncional e por vezes ameaçador".

Especialista diz que doença pode ter origem genética e social

Lidiane Biezok terá de indenizar o balconista por ofendê-lo com palavras homofóbicas em novembro de 2020 — Foto: Reprodução/Redes sociais/Arquivo pessoal

Consultado pelo g1 para explicar o que é transtorno de personalidade boderline, o médico psiquiatra José Brasileiro, que é membro da Sociedade Brasileira de Psiquiatria (SBP), disse que ela pode ter causa genética e social.

"O transtorno de personalidade boderline é multifatorial. Então tem padrão genético situacional e ambiental envolvido", falou José Brasileiro. "Ele não tem cura. Tem estabilização. Então você estabiliza a partir de medicações e psicoterapia".

De acordo com o médico, essa doença se caracteriza pela 'instabilidade afetiva" em quem tem a o transtorno. "O transtorno de personalidade boderline é um quadro no qual apresenta um padrão difuso ao longo da vida. Que se caracteriza por apresentar instabilidade afetiva associada a conflitos interrelacionais entre as pessoas, e perturbações a cerca da autoimagem, com conflitos e alterações que podem vir a automutilações, a raiva desapropriada e a sensações crônica de vazio".

Apesar disso, o especialista declarou que quem possui o diagnóstico da doença pode conviver em sociedade, desde que esteja se tratando. "Quem tem a doença, sim, consegue conviver em sociedade, mas necessita de tratamento para melhorar as relações interpessoais".

Injúria racial, lesão corporal e homofobia em novembro de 2020

Lidiane foi presa em flagrante pela Polícia Militar (PM) por injúria racial, lesão corporal e homofobia contra quatro pessoas depois de reclamar do lanche dentro da padaria Dona Deôla, Zona Oeste de São Paulo. O caso ocorreu em 20 de novembro de 2020. A mulher foi levada para uma delegacia.

Vídeos gravados por testemunhas e que circulam nas redes sociais mostram Lidiane dizendo ser “advogada internacional” e usando palavras homofóbicas e racistas para ofender dois clientes e dois funcionários. Ela ainda agride um dos frequentadores, atira objetos nos empregados e quebra uma TV.

“Eu não tô falando mais de p* nenhuma. Então aqui é uma padaria gay?. Eu não tô falando p* nenhuma. Seu f* da p*. Você quer me atacar seu f* da p*", diz a mulher nas imagens, quando agride Ricardo, que não reagiu.

Segundo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Lidiane não possui registro para advogar. De acordo com policiais, ela cursou direito na Universidade Mackenzie em 2003, quando se tornou bacharel, mas não fez a prova da OAB.

Atualmente Lidiane é ré no processo criminal desse caso. Ela responde em liberdade. Em entrevista à TV Globo, em 2020, pediu desculpas às vítimas e também alegou que sofria de bipolaridade e depressão.

“Esse problema de depressão é genético, é grave, não é uma depressãozinha, entendeu? É uma depressão para o resto da vida, é bipolaridade. É uma coisa complicada, é complexo”, disse Lidiane por telefone na ocasião.

"Eu gostaria muito, muito mesmo de dar um abraço neles e falar: 'Desculpa, cara. Desculpa, perdão'", declarou a mulher, que se disse arrependida e que não quis ofender nem agredir ninguém.

Por causa dessas declarações e outras informações no processo, a Justiça suspendeu em maio a prisão domiciliar que Lidiane cumpria pelos crimes. Determinou também que ela passe por exame de insanidade mental por suspeita de que possa ter alguma doença psiquiátrica. O teste ainda não foi feito.

Em setembro deste ano, Lidiane foi condenada pela Justiça, na esfera cível, a pagar indenização de R$ 5 mil por dano moral ao balconista da padaria por tê-lo xingado com ofensas homofóbicas.

A mulher ainda responde a mais dois processos judiciais por danos morais. Um é movido por uma atendente da Dona Deôla, Luane da Silva Lopes, que pede R$ 200 mil de indenização por ter sido ofendida por Lidiane.

Procurada pelo g1 para comentar o assunto, a advogada de Luane, Alessandra da Costa Santana, afirmou que a Justiça aguarda tirar dúvidas sobre o exame de insanidade de Lidiane para decidir sobre o pedido de indenização contra a bacharel.

"Eu entendo que ela [a acusada] deve ter algum problema, mas isso não significa que ela não possa responder criminalmente ao processo pelo qual é acusada de ofender minha cliente e outras pessoas", disse Alessandra, que entende que a semi-imputabilidade da bacharel significa que ela continua tendo consciência de seus atos, mesmo parcialmente. "Porque se ela não tem discernimento ela seria inimputável, que não pode responder criminalmente pelos seus atos, mas não foi isso que o laudo apontou."

A outra ação indenizatória é feita por dois clientes: eles querem R$ 60 mil. Até a última atualização desta reportagem, não havia nenhuma decisão da Justiça sobre os dois pedidos.

Mulher já foi acusada de cometer outros crimes antes

Policial Militar prende Lidiane que fez ofensas em padaria em São Paulo — Foto: Reprodução/Redes sociais

Levantamento feito pelo g1 a partir de boletins de ocorrência e processos mostra que, além de protagonizar o ataque na padaria Dona Dêola, em 2020, Lidiane ou seu nome foram parar em delegacias ou na Justiça por mais cinco casos que a envolvem em crimes de lesão corporal, resistência, injúria, calúnia, difamação e até furto.

O caso mais antigo deles é de 2005, quando ela foi acusada de ofender policiais e um taxista em São Paulo, segundo fontes da reportagem.

Em 2016, Lidiane foi presa pela polícia por furtar roupas de um shopping num bairro nobre de São Paulo.

Em 2017 e no ano seguinte, a mulher foi acusada de ofender e agredir clientes e policiais num restaurante e em um bar na capital paulista.

Entre as demais acusações está a agressão a um casal num navio, durante cruzeiro marítimo na Bahia, em 2018.

Ainda em 2018, Lidiane e a irmã foram algemadas pela PM por suspeita de terem agredido um empresário, dono de um bar onde elas estavam, e uma policial, na Vila Madalena, tradicional bairro boêmio da Zona Oeste de São Paulo.

O g1 não conseguiu falar com Lidiane ou com sua defesa até a última atualização desta reportagem.

Deck com piscina de uma dos navios da MSC — Foto: Mariane Rossi/G1

Fonte: g1

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