De acordo com Ricardo Calcini, professor de Direito do Trabalho da pós-graduação da FMU e colunista da ConJur, a rescisão indireta do contrato de trabalho pode ocorrer se ficar evidenciada a negligência do empregador quanto à Covid-19.
"Isso, claro, partindo-se da ideia de que a empresa viola obrigações impostas por autoridades sanitárias, cuja conduta omissa acaba por submeter o empregado a correr perigo manifesto de mal considerável, tal como previsto na alínea 'c' do artigo 483 da CLT", explica ele.
Como aponta Calcini, a rescisão indireta "somente pode ser reconhecida em juízo, após o ajuizamento de ação trabalhista pelo funcionário". Em caso de decisão favorável, o empregado recebe verbas rescisórias, "como se o contrato de trabalho tivesse sido rescindido sem justo motivo".
Em outras palavras, caso a empresa não respeite os protocolos sanitários recomendados pelos órgãos de saúde e trabalho, o trabalhador pode pedir à Justiça do Trabalho todas as verbas rescisórias a que teria direito caso fosse dispensado sem justa causa. Isso porque "o empregador está descumprindo o contrato de trabalho", segundo o advogado Fernando Kede, do escritório Schwartz e Kede, especialista em Direito do Trabalho Empresarial.
Já existem decisões recentes favoráveis a empregados em casos do tipo. No entanto, Rodrigo Marques, coordenador do Núcleo Trabalhista do escritório Nelson Wilians Advogados, frisa que ações relacionadas à Covid-19 na Justiça do Trabalho são recentes, e por isso "não há entendimentos pacificados sobre o tema".
Responsabilidades
Kede lembra que o empregador também pode responder judicialmente e até ser condenado a indenizar o trabalhador por danos morais se o funcionário "passar por alguma humilhação" ou for "forçado a trabalhar de uma forma que possa lhe causar algum constrangimento, como, por exemplo, trabalhar contaminado pela Covid-19".
Mas Marques ressalta que, para a rescisão indireta, "deverá ser provado de forma robusta e contundente o nexo de causalidade dos fatos e a efetiva conduta negligente e indevida do empregador que cause perigo manifesto de mal considerável ao profissional". Ele lembra que o trabalhador pode ser contaminado em quaisquer ambientes, e não apenas no profissional.
A Portaria Interministerial 14/2022, dos Ministérios da Saúde e do Trabalho e Previdência, publicada no último mês de janeiro, recomenda o afastamento por dez dias do trabalho — a partir do início dos sintomas ou da coleta do teste — para casos confirmados e suspeitos de Covid-19, além de pessoas que tiveram contato próximo com quem testou positivo. Para casos confirmados, a empresa pode reduzir o afastamento para sete dias, desde que o funcionário esteja sem febre há 24 horas, sem tomar medicamentos antitérmicos e apresente remissão dos sintomas respiratórios.
Dicas
Segundo Kede, para zelar pela segurança e saúde dos trabalhadores, e, assim, evitar pedidos de rescisão indireta, "a empresa deve fornecer todas as medidas de proteção contra a Covid-19, evitando que os funcionários sejam infectados naquele ambiente e propaguem a doença", o que inclui o fornecimento de equipamentos de segurança.
Também é importante "respeitar os atestados fornecidos por médicos de serviço público, particulares ou de convênios quando se recomenda o afastamento do trabalhador em virtude da contaminação do vírus". Kede recomenda que a empresa comprove o que está fazendo para conter a propagação do vírus por meio de fichas de entregas de produtos e fotos, por exemplo.
Já de acordo com Marques, para evitar situações que justifiquem a rescisão indireta, o empregador "deverá criar e divulgar ampla e periodicamente políticas de prevenção à Covid-19 no ambiente de trabalho, tais como distanciamento, utilização de máscaras faciais e álcool gel, entre outras". Outra medida relevante é exigir comprovante de vacinação, para prevenir casos graves da doença.
De acordo com levantamento do Tribunal Superior do Trabalho, nos últimos dois anos, em meio à crise sanitária, o Brasil teve mais de 250 mil novos processos trabalhistas sobre rescisão indireta. Foram cerca de 118 mil em 2020, além de 134 mil em 2021 — o que representou um aumento de 13,27%.
Por José Higídio
Fonte: ConJur