Em um vídeo divulgado nas redes sociais (assista aqui), Hekurari afirma que, além da morte da menina, uma outra criança ianomâmi, de cerca de 3 anos, desapareceu após cair no rio Uraricoera. O crime aconteceu na comunidade Aracaçá, segundo os relatos.
Ele planeja ir até a região nesta terça-feira (26) para buscar o corpo da vítima e encaminhá-lo para autópsia no Instituto Médico Legal (IML), em Boa Vista.
Ao g1, Junior Hekurari detalhou os relatos que recebeu:
"A adolescente estava sozinha na comunidade e os garimpeiros chegaram, atacaram e levaram ela para as barracas deles. A tia dela defendeu [a sobrinha]. Quando estava defendendo, os garimpeiros empurram ela em direção ao rio junto com a criança. Essa criança se soltou no meio do rio, acho que estava em um barco. Eles invadiram e levaram [a menina] para o barraco dos garimpeiros e a violentaram brutalmente, estupraram essa adolescente. Moradores de lá me disseram que ela morreu. Então, é muito triste, muito triste mesmo".
Hekurari disse ainda que há a suspeita que os garimpeiros estivessem armados. A comunidade Aracaçá está localizada no meio de acampamentos montados por garimpeiros na região. A violência sexual contra meninas e mulheres ianomâmi cometida por garimpeiros já havia sido denunciada semana passada pela Hutukara Associação Yanomami.
Segundo Hekurari, a Polícia Federal (PF) e o Exército foram informados do crime ainda na noite de segunda (25).
Além disso, na manhã desta terça-feira, Hekurari, por meio do Condisi-YY, enviou um ofício relatando a situação para o Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), ambos de responsabilidade do Ministério da Saúde, além de PF, Ministério Público Federal (MPF). No documento, a associação pede apuração do caso.
Em nota, o MPF informou que "busca junto às instituições competentes a apuração do caso e acredita que situações como essa são consequência cada vez mais frequente do garimpo ilegal em terras indígenas em Roraima". (Leia nota na íntegra abaixo).
O Ministério da Saúde informou que a Sesai é responsável pela assistência à saúde dos povos indígenas e que fatos e denúncias de ocorrência de crimes, que chegam ao conhecimento da Secretaria, são encaminhados diretamente aos órgãos competentes para investigação.
A reportagem também procurou a PF e aguarda resposta.
O acesso à região de Waikás demora cerca de 1h15 de voo saindo de Boa Vista. Para chegar até a comunidade Aracaçá, onde a menina foi estuprada e morta, são mais 30 minutos de helicóptero ou 5 horas de barco pelo rio Uraricoera. A população da região é 198 indígenas, segundo o Condisi-YY.
Comunidade Aracaçá, na Terra Yanomami — Foto: Júnior Hekurari/DivulgaçãoCorrutela nas margens do rio Uraricoera próximo de Waikás, na Terra Yanomami — Foto: © Bruno Kelly/HAYRegião de Waikás
A região de Waikás, onde fica a comunidade Aracaçá, foi a que teve o maior avanço de exploração de garimpeiros, de acordo com o relatório "Yanomami sob ataque", divulgado pela Hutukara Associação Yanomami (HAY). Lá, a devastação foi 296,18 hectares -- 25% em um ano.
"Quase a metade da área degradada está concentrada em Waikás", cita o relatório.
A região ficou à frente de Homoxi (253,31), Kayanau (178,64) e Xitei (124,84). Com exceção das regiões Surucucus, Missão Catrimani e Uraricoera, todas as áreas tiveram um crescimento de 2020 até o fim de 2021.
Quase metade das áreas afetadas por garimpos estão concentradas na região Waikás, no rio Uraricoera, seguidas de Kayanau, localizada na confluência dos rios Couto Magalhães e Mucajaí, com mais de 20% e Homoxi, na fronteira do Brasil com a Venezuela, com 12%.
Terra Yanomami
Maior reserva indígena do Brasil, a Terra Yanomami tem quase 10 milhões de hectares entre os estados de Roraima e Amazonas, e parte da Venezuela. Cerca de 30 mil indígenas vivem na região em mais de 360 comunidades.
A área é alvo do garimpo ilegal de ouro desde a década de 1980. Mas, nos últimos anos, essa busca pelo minério se intensificou, causando além de conflitos armados, a degradação da floresta e ameaça a saúde dos indígenas.
A invasão garimpeira causa a contaminação dos rios e degradação da floresta, o que reflete na saúde dos ianomâmi, principalmente crianças, que enfrentam a desnutrição por conta do escasseamento dos alimentos.
Nota do MPF sobre a denúncia do estupro e morte
O MPF busca junto às instituições competentes a apuração do caso e acredita que situações como essa são consequência cada vez mais frequente do garimpo ilegal em terras indígenas em Roraima. Como forma de evitar novas tragédias como as que vem ocorrendo, o MPF já acionou a Justiça e se reúne rotineiramente com instituições envolvidas na proteção do território indígena para que se concretizem medidas de combate sistêmico ao garimpo. Entre essas medidas, estão a retomada de operações de fiscalização, construção de bases de proteção etnoambiental e mudanças nos procedimentos adotados por órgãos fiscalizadores. Confira as medidas completas já solicitadas.
Fonte: g1 Roraima