Se a urgência for aprovada, o texto poderá ser votado em plenário sem passar pela análise de uma comissão especial da Câmara. A regra permite, inclusive, que o conteúdo do projeto seja analisado na mesma sessão, ainda nesta terça.
A educação domiciliar é uma das bandeiras do presidente Jair Bolsonaro. O tema estava entre as metas prioritárias para os primeiros cem dias de governo, mas ainda não foi votado.
Para Bolsonaro e apoiadores do governo, a educação domiciliar é uma forma de pais e responsáveis legais blindarem seus filhos de supostas ideologias transmitidas dentro da sala de aula. Já a ONG Todos Pela Educação classifica a medida como "equivocada".
Atualmente, o ensino domiciliar não é permitido por decisão do Supremo Tribunal Federal, que em setembro de 2018 entendeu não haver uma lei que regulamente o ensino domiciliar no país. Embora a lei não proíba explicitamente a prática, ela também não a respalda.
Além do projeto que regulamenta a prática, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou em junho de 2021 uma proposta que impede que pais que adotem a educação domiciliar sejam processados por abandono intelectual. O texto também aguarda análise do plenário.
O projeto
O texto altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) para admitir o ensino domiciliar na educação básica (pré-escola, ensino fundamental e médio). A proposta exige que, assim como a educação escolar, o ensino domiciliar esteja vinculada ao mundo do trabalho e à prática social.
Conforme o projeto, “é admitida a educação básica domiciliar, por livre escolha e sob a responsabilidade dos pais ou responsáveis legais pelos estudantes”. O Poder Público deverá atuar, junto aos pais ou responsáveis, para garantir o desenvolvimento adequado da aprendizagem do estudante.
Para optar por esta modalidade de ensino, os responsáveis deverão formalizar a escolha junto a instituições de ensino credenciadas, fazer matrícula anual do estudante e apresentar:
• comprovação de escolaridade de nível superior, inclusive em educação profissional tecnológica, em curso reconhecido nos termos da legislação, por pelo menos um dos pais ou responsáveis legais pelo estudante;
• certidões criminais da Justiça Federal e Estadual ou Distrital dos pais ou responsáveis.
A proposta estabelece um período de transição em relação à exigência de comprovação de escolaridade de nível superior, caso os responsáveis escolham homeschooling nos dois primeiros anos após a regulamentação entrar em vigor.
A transição prevista no projeto permite:
• a comprovação, ao longo do ano da formalização da opção pela educação domiciliar, de que pelo menos um dos pais ou responsáveis legais está matriculado em curso de nível superior;
• comprovação anual de continuidade dos estudos, com aproveitamento, por pelo menos um dos pais ou responsáveis legais, no curso de nível superior em que estiver matriculado;
• conclusão, por pelo menos um dos pais ou responsáveis legais, do curso de nível superior em que estiver matriculado, em período de tempo que não exceda em 50% do limite mínimo de anos para sua integralização.
Obrigações
A proposta estabelece também regras para as instituições de ensinos e responsáveis legais no desenvolvimento da educação domiciliar, como:
• manutenção de cadastro, pela instituição de ensino dos estudantes em educação domiciliar nela matriculados, a ser anualmente informado e atualizado junto ao órgão competente do sistema de ensino;
• cumprimento conteúdos curriculares referentes ao ano escolar do estudante, de acordo com a Base Nacional Comum Curricular, admitida a inclusão de conteúdos curriculares adicionais;
• realização de atividades pedagógicas que promovam a formação integral do estudante, contemplando seu desenvolvimento intelectual, emocional, físico, social e cultural;
• manutenção, pelos pais ou responsáveis legais, de registro periódico das atividades pedagógicas realizadas e envio, à instituição de ensino em que o estudante estiver matriculado, de relatórios trimestrais dessas atividades;
• acompanhamento do desenvolvimento do estudante por docente tutor da instituição de ensino em que estiver matriculado, inclusive mediante encontros semestrais com os pais ou responsáveis, o educando e, se for o caso, do profissional que acompanha o ensino domiciliar;
• garantia, pelos pais ou responsáveis legais, da convivência familiar e comunitária do estudante;
• realização de avaliações anuais de aprendizagem e participação do estudante nos exames do sistema nacional de avaliação da educação básica e nos exames do sistema estadual ou sistema municipal de avaliação da educação básica.
Avaliações e ‘recuperação’
O projeto acrescenta dispositivos à Lei de Diretrizes e Bases da Educação para estabelecer avaliações da qualidade do ensino sob responsabilidade dos responsáveis legais, para fins de certificação de aprendizagem pelas instituições de ensino.
Segundo o texto, a avaliação dos estudantes da pré-escola será feita anualmente com base nos relatórios trimestrais de atividades pedagógicas enviados pelos pais às instituições de ensino em que o estudante for matriculado.
Para os alunos do ensino fundamental e médio, será considerada na avaliação, além dos relatórios trimestrais de atividades pedagógicas, uma avaliação anual do conteúdo previsto na Base Nacional Comum Curricular.
Em relação ao estudante com deficiência ou transtorno global de desenvolvimento, a avaliação será adaptada à sua condição.
Se o desempenho dos alunos não for considerado satisfatório, o texto prevê a aplicação de uma prova de “recuperação”.
Proibições
A proposta diz que é proibida a opção pelo ensino domiciliar nos casos em que o responsável legal direto da criança ou adolescente for condenado ou estiver cumprido pena pelos crimes previstos:
• no Estatuto da Criança e do Adolescente;
• na Lei Maria da Penha;
• na parte especial do Código Penal, que dispõe sobre crimes contra a liberdade individual, como ameaça, perseguição, cárcere privado, entre outros;
• na Lei Antidrogas;
• na Lei dos Crimes Hediondos.
De acordo com o texto, os pais ou responsáveis por alunos da pré-escola também perderão o direito de optar pelo ensino domiciliar, caso o progresso do estudante seja considerado insuficiente por dois anos consecutivos na avaliação anual; ou em dois anos consecutivos ou em três anos não consecutivos, no caso de alunos do ensino fundamental e médio.
Os estudantes com deficiência ou transtorno global do desenvolvimento passarão por avaliações semestrais. Os responsáveis não poderão mais optar pelo homeschooling se for atestada a insuficiência de progresso por duas vezes consecutivas ou três vezes não consecutivas.
Se aprovado, o texto estabelece prazo de 90 dias para que as normas previstas entrem em vigor.
Debates
Segundo o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), um acordo costurado com líderes da base do governo prevê a votação do mérito ainda nesta semana.
De acordo com ele, cabe apenas ao presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), colocar em votação o projeto. A assessoria da deputada Luísa Canziani (PSD-PR), relatora do texto, também disse haver um acordo para a votação do mérito entre terça e quinta-feira.
O líder da minoria na Câmara, deputado Alencar Santana (PT-SP), afirmou que a oposição vai obstruir “tudo” e não entrará em acordo sobre a votação do mérito.
“Somos contra. É mais um desmonte da educação, que leva à exclusão dos estudantes”, afirmou.
Em nota, a ONG Todos Pela Educação afirmou que a medida é ‘equivocada e absolutamente fora do tempo”.
“A restrição do convívio com crianças e adultos fora do círculo íntimo da família, a ausência de ideias e visões de mundo contraditórias as que são expostas em casa, bem como de troca de experiências e interações mais diversas, inibem o pleno desenvolvimento dessas crianças e jovens”, afirma a organização.
Fonte: g1