O AI-5 instaurou o período mais intenso de repressão contra adversários políticos do governo do então presidente Médici. Buzaid era ministro da Justiça de Médici nessa época.
“Foi através deste ato que se legalizou a cassação de direitos civis, políticos e violações aos direitos humanos durante a ditadura militar. Trata-se, o homenageado atual, de um ditador, responsável pelo ordenamento de inúmeros crimes contra a nação”, alegou o vereador na justificativa do projeto.
A troca do nome da praça para Lourenço Carlos Diaféria, segundo Eliseu Gabriel, era uma homenagem ao jornalista e escritor que sofreu as agruras do cárcere no período militar. Ele chegou a ser preso por causa de uma crônica publicada no jornal Folha de S.Paulo criticando a estátua de Duque de Caxias, no Centro de São Paulo.
Prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, participou da Apas Show 2022 que acontece na Expo Center Norte na zona norte de São Paulo, nesta segunda-feira (16) — Foto: ALOISIO MAURICIO/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDOA proposta havia sido aprovado na Câmara Municipal de São Paulo em abril deste ano, mas ao vetar a mudança, Ricardo Nunes alegou que não havia respaldo na lei para a substituição, uma vez que o ex-ministro Alfredo Buzaid não tinha nenhuma condenação judicial com decisão transitada em julgado por violação de Direitos Humanos.
“Embora reconhecendo o mérito da iniciativa, não se encontram presentes as condições necessárias para a conversão da medida em lei, impondo-se seu veto total, nos termos das considerações a seguir aduzidas. O inciso IV do art. 5º da Lei Municipal nº 14.454/07, combinado com o art. 4º-A do mesmo diploma, exige, para fins de alteração de denominação de vias e logradouros públicos, que a denominação se refira à autoridade condenada mediante decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado em razão de crimes de lesa-humanidade ou graves violações de direitos humanos, e não há comprovação de condenação do Sr. Alfredo Buzaid nesses termos”, disse o prefeito em publicação no Diário Oficial.
O prefeito também justificou que o nome do jornalista Lourenço Diaféria não consta no Banco de Referências em Direitos Humanos para nomeação de logradouros e próprios municipais, da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania.
Repercussão
O vereador Eliseu Gabriel disse que foi “pego de surpresa” com a notícia do veto e disse que as justificativas da prefeitura no Diário Oficial são “inadequadas e estranhas”.
“Foi surpresa total pra mim esse veto porque o Lourenço Diaféria é uma figura simbólica da liberdade de imprensa. Ele foi preso pela Ditadura por causa de um texto publicado no jornal. Acho que se trata de um desconhecimento da equipe da prefeitura que analisou o projeto”, declarou.
O vereador Eliseu Gabriel (PSB) na Câmara Municipal de São Paulo. — Foto: Divulgação/CMSPO vereador afirmou que vai conversar pessoalmente com o prefeito Ricardo Nunes para tentar derrubar o veto na Câmara Municipal com apoio do próprio executivo. Para que isso aconteça, o veto precisa ser analisado em plenário pelos 55 vereadores da cidade e tem que ter ao menos 28 votos favoráveis.
“Claro que o prefeito não tem conhecimento de tudo que se passa na administração e é publicado no Diário Oficial. Algumas coisas ele só assina. Vou conversar com ele para ver a possibilidade de derrubada do veto com o apoio do próprio Executivo”, disse o parlamentar.
Quem foi Lourenço Diaféria
Lourenço Diaféria foi cronista no jornal Folha de S.Paulo entre os anos de 1964 e 1977, sempre tomando assuntos do cotidiano da cidade de São Paulo e do país como referência de suas reflexões.
Em 1º de setembro de 1977 ele publicou uma crônica com o título “Herói. Morto. Nós”, onde comparou um sargento que havia salvado uma criança de 14 anos ao Duque de Caxias, patrono do Exército Brasileiro que foi imortalizado em uma estátua na Praça Princesa Isabel, no Centro da capital paulista.
O jornalista e cronista Lourenço Carlos Diaféria, morto em 2008 após um infarto fulminante. — Foto: Divulgação/Boitempo EditorialNa crônica, Diaféria havia afirmado que “o povo urina nos heróis de pedestal”.
“Todavia eu digo, com todas as letras: prefiro esse sargento herói ao duque de Caxias. O duque de Caxias é um homem a cavalo reduzido a uma estátua. Aquela espada que o duque ergue ao ar aqui na Praça Princesa Isabel -onde se reúnem os ciganos e as pombas do entardecer- oxidou-se no coração do povo. O povo está cansado de espadas e de cavalos. O povo urina nos heróis de pedestal”, escreveu.
O texto irritou profundamente o regime militar, de determinou a prisão do jornalista por três dias. Diaféria foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional, sofreu processo e foi condenado a oito meses de prisão.
Ele cumpriu a pena em casa. Em protesto, a Folha deixou o espaço de sua coluna em branco. Ele só foi inocentado em 1979.
A prisão foi um marco do embate entre o jornalismo e o regime militar naquela época, levando a substituição do Secretário de Redação da Folha de Cláudio Abramo.
Nascido no bairro do Brás, em 23 de agosto de 1933, Diaféria morreu em 2008, aos 75 anos, vítima de um infarto fulminante.
Revisão histórica
Desde 2015, a cidade de São Paulo passa por uma revisão dos nomes das ruas e logradouro públicos que homenageiam pessoas vinculadas à repressão do regime militar (1964-1985).
A gestão do ex-prefeito Fernando Haddad (PT) criou um programa chamado “Ruas da Memória”, onde 23 vias de São Paulo que homenageavam figuras vinculadas à repressão militar deveriam ser mudadas na capital paulista.
Desde lá, vias importantes como o antigo viaduto Arthur da Costa e Silva, que homenageada o ex-presidente militar (1967 a 1969), recebeu o nome de viaduto João Goulart, que foi o presidente brasileiro deposto em 1964 após o golpe militar que instaurou 21 anos de ditadura no país.
Em setembro do ano passado, o próprio Ricardo Nunes autorizou a retirada do nome da Rua Doutor Sérgio Fleury, na Vila Leopoldina, na Zona Oeste de São Paulo, que mudou para Rua Frei Tito de Alencar Lima.
O Frei Tito de Alencar Lima (esquerda), torturado pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury (direita), agora dará nome à rua que antes homenageava o torturador do Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (DOPS). — Foto: Montagem/G1Sérgio Paranhos Fleury foi delegado do Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (Dops) durante a ditadura militar, na década de 60. Ele é apontado como um dos torturadores de Frei Tito, um frade católico que foi perseguido durante o regime militar e sofreu sessões de tortura no Dops.
Em 2010, a Câmara Municipal aprovou um projeto de lei que acrescenta incisos à Lei 14.454, que trata de nomes de logradouros públicos e parques, permitindo a alteração das denominações e de nomes de ruas que até então homenageavam pessoas apontadas por violar os direitos humanos.
Fonte: g1