Foram julgados quatro recursos especiais representativos da controvérsia. O relator, ministro Ribeiro Dantas, destacou que “o abuso sexual contra o público infantojuvenil é uma realidade que insiste em perdurar ao longo do tempo” e que grande parte desses crimes ocorre no interior dos lares brasileiros, o que dificulta sua identificação.
Na ocasião, discutiu-se a proporcionalidade na aplicação do artigo 217-A do CP e o eventual sopesamento na punição das condutas libidinosas menos invasivas, após a entrada em vigor da Lei 13.718/2018 – que incluiu no código o crime de importunação.
Combate à violência contra a criança: movimento feminista e novos paradigmas sociais
Em seu voto, Ribeiro Dantas lembrou que nem sempre se entendeu a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, sendo fenômenos históricos recentes o reconhecimento da violência intrafamiliar pelo Estado e a proteção aos menores – atribuídos por alguns autores à ascensão do movimento feminista, com o enfrentamento do modelo patriarcal e, consequentemente, a modificação dos paradigmas sociais.
“O fato de a violência dentro dos lares ser reconhecida pelo Estado não significou a criação dessa violência. Em verdade, ela sempre existiu, mas permanecia no silêncio entre os familiares e na indiferença institucional. O que era para servir de apoio violentava ou ignorava”, afirmou o relator.
Segundo o magistrado, essa evolução é reflexo de um movimento internacional pela proteção das crianças, o qual influencia diretamente a aplicação do direito nas cortes brasileiras. Ele mencionou o entendimento do STJ de que o Brasil está obrigado, perante a comunidade internacional, a adotar medidas legislativas para proteger as crianças de qualquer forma de abuso sexual.
Respeito à Constituição Federal e aos tratados internacionais
Ribeiro Dantas salientou que o STJ tem adotado uma posição firme de que qualquer tentativa de satisfação da lascívia com menor de 14 anos configura estupro de vulnerável, entendendo, em alguns casos, que o delito prescinde de contato físico entre vítima e agressor.
“A pretensão de se desclassificar a conduta de violar a dignidade sexual de pessoa menor de 14 anos para uma contravenção penal (punida, no máximo, com pena de prisão simples) já foi reiteradamente rechaçada pela jurisprudência desta corte”, declarou.
Quanto à superveniência do artigo 215-A do CP, o ministro ressaltou que o aparente conflito de normas é resolvido pelo princípio da especialidade do artigo 217-A, que possui o elemento especializante “menor de 14 anos”, e pelo princípio da subsidiariedade expressa do 215-A. Ele ponderou ainda que a aplicação do artigo 217-A não pode ser afastada sem a observância do princípio da reserva de plenário pelos tribunais, conforme o artigo 97 da Constituição Federal.
Segundo o relator, “desclassificar a prática de ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos para o delito do artigo 215-A do CP, crime de médio potencial ofensivo que admite a suspensão condicional do processo, desrespeitaria o mandamento constitucional de criminalização do artigo 227, parágrafo 4º, da Constituição Federal, que determina a punição severa do abuso ou da exploração sexual de crianças e adolescentes. Haveria também o descumprimento de tratados internacionais”.
Opção legislativa pela não gradação entre as condutas contra menor de 14 anos
O magistrado concluiu que o legislador optou por não estabelecer nenhuma gradação entre as espécies de condutas sexuais praticadas contra pessoas vulneráveis.
Ressalvando seu ponto de vista pessoal – de que essa gradação permitiria “penalizar mais ou menos gravosamente a conduta, conforme a intensidade de contato e os danos (físicos ou psicológicos) provocados” –, Ribeiro Dantas reconheceu que a opção legislativa foi “pela absoluta intolerância com atos de conotação sexual com pessoas menores de 14 anos, ainda que superficiais e não invasivos”.
Ele acrescentou que o entendimento pela impossibilidade de se desclassificar a conduta para o crime do artigo 215-A do CP também prevaleceu em julgamentos de habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF).
Os números dos processos não são divulgados em razão de segredo judicial.
Com informações do STJ
Por Redação JuriNews
Fonte: jurinews.com.br