No Instagram, o @escritoriosexpostosce tinha cerca de 600 seguidores e realizou 14 postagens. A ideia era funcionar como um espaço “seguro” para o compartilhamento de experiências.
As movimentações nas redes começaram depois que o estagiário de um escritório paulista tentou suicídio ao se jogar do 7º andar da sede do local, na última quinta-feira (11), por ser criticado ao perder um prazo. O jovem foi socorrido e encaminhado para um hospital.
Foto: ReproduçãoNos casos informados na página cearense, usuários denunciaram humilhações de gestores para colaboradores com piadas machistas, misóginas e preconceituosas, bem como tratamentos arrogantes. "Tem gente com depressão até hoje", diz um trecho.
Legenda: Relato enviado à página @escritoriosexpostosce / Foto: ReproduçãoOutros relatos incluíam a falta de direitos trabalhistas ou remuneração adequada, além de atrasos de salários e falta de perspectiva de crescimento na carreira.
Algumas mensagens mencionaram ainda jornadas exaustivas com prazos "desumanos", reflexo de pressão por resultados em períodos muito curtos.
“VOCÊ LUTA SOZINHA”
Uma ex-advogada do Ceará que teve sua situação postada no perfil, com situações problemáticas e vexatórias num dos maiores escritórios da cidade, conversou com o Diário do Nordeste. A experiência foi tão traumática que, hoje em dia, ela não atua mais na área.
Uma das principais queixas era quanto ao tratamento dado por gestores. Havia horas extras “voluntárias, mas impostas”. Era cobrada a abdicar da vida pessoal para “vestir a camisa do escritório”. Fora piadas como “o seu carro não paga o meu cinzeiro”. Em resposta, foi informada de que a rigidez era para “deixar todo mundo nos trilhos”.
“Também acredito que quase todas as mulheres passaram por assédio sexual. De mensagens convidando pra sair, de candidata ouvindo “o que você está disposta a fazer por essa vaga?”... Havia situações de uma advogada que os rapazes filmavam e divulgavam nos grupos, fazendo memes”
A ex-advogada conta que principalmente as mulheres trabalhavam no local por necessidade, porque tentavam construir uma carreira e “uma vida diferente” - embora a remuneração nem fosse considerada “digna”.
Foto: Reprodução“Nenhuma de nós via condições de pedir demissão porque as contas iam chegar no fim do mês”, relata. Ela considera a exposição nas redes importante, mas não acredita que ela fará diferença a menos que medidas institucionais sejam tomadas para investigar e coibir novos casos.
“Lutar contra um grande escritório é a corda arrebentar para o lado mais fraco. Você luta sozinha e sai queimada perante os outros. Quem vai contratar alguém que processou o emprego anterior?”, lamenta.
MONITORAMENTO E DENÚNCIAS
A Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Ceará (OAB-CE) disse não compactuar com qualquer tipo de discriminação (seja racial, religiosa, orientação sexual, ideológica e/ou por deficiência), nem assédio moral e/ou sexual, nem qualquer tipo de constrangimento ilegal ou utilização de violência física e/ou psicológica.
"Ressaltamos o apoio à liberdade de expressão e a importância de denunciar, formalmente, casos de violação dos direitos e das prerrogativas da advocacia. Com diversos canais de atuação, a OAB Ceará conta com os setores do Tribunal de Ética e Disciplina, Tribunal de Defesa das Prerrogativas, Ouvidoria, Plantão 24 horas de prerrogativas através do Centro de Apoio e Defesa da Advocacia, Coordenação Estadual de Fiscalização da Atividade Profissional da Advocacia, e uma Central de Atendimento à classe, trabalhando em prol de questões referentes à denúncias éticas, fiscalização da atividade profissional, captação interposta, exercício ilegal, abuso, violações das legislações, controle da publicidade profissional, dentre outros", afirma a Ordem.
O Ministério Público do Trabalho no Ceará (MPT-CE) declarou que, como não houve uma denúncia formal sobre o caso, não há operação específica para fiscalização e combate ao assédio em escritórios de advocacia. Porém, “quando há denúncias, aí sim ocorre a investigação”, diz o órgão.
Em 2016, a Justiça do Trabalho condenou um escritório no bairro Aldeota por fraude na relação de trabalho com advogados, contratando-os como sócios para mascarar a relação de vínculo trabalhista, a pagar indenização por dano moral coletivo no valor de R$100 mil.
O processo começou em 2013, quando o MPT ingressou com ação civil pública contra o escritório. Uma denúncia anônima acusou a empresa não só de contratar advogados irregularmente, mas também de assédio moral e atraso no pagamento dos salários.
Por Nícolas Paulino
Fonte: diariodonordeste.verdesmares.com.br