Fazer o vestibular pode ser uma estratégia defensiva para buscar uma progressão de pena. No entanto, para um detento cursar uma faculdade é necessário ter uma autorização judicial, o que é raro. Segundo a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap), apenas uma presa, em regime semiaberto, faz faculdade no Rio.
A Uerj tem um único dia de prova para os vestibulandos, presos ou não. O conteúdo é igual para todos. Devido à pandemia, o tradicional vestibular, antes aplicado em duas etapas, será novamente com uma única prova de 60 questões mais a redação. A única diferença entre os exames é que, por medida de segurança, a aplicação é feita por agentes da Seap treinados e não pelos funcionários da universidade. Já o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para pessoas privadas de liberdade será aplicado em janeiro, com um conteúdo diferente das provas do mês passado. Segundo a Seap, 1,9 mil presos se inscreveram.
A logística do vestibular da Uerj é preparada conforme a demanda de inscrições dos presos. Como não há transferência dos encarcerados, as provas são aplicadas nas cadeias onde há inscritos. Por estarem presos, eles também não pagam a inscrição de R$ 125.
— Este ano, temos o maior número de inscritos. A preferência desses vestibulandos são pelos cursos de Direito e Pedagogia. Mas, em muitos casos, é irrelevante a escolha, pelo fato de eles não poderem cursar. Quem não consegue uma decisão judicial chega a pedir na Justiça para adiar o ingresso; outros tentam uma liminar para ter um relaxamento de pena. No vestibular da Uerj, não há cursos à distância, apenas presencial — explica Gustavo Krause, diretor do Departamento de Seleção Acadêmica da Uerj.
Tema polêmico na Justiça
Flordelis e Flávio dos Santos são presos condenados que podem conseguir redução da pena. Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) do ano passado tornou possível a remição quando se atinge notas mínimas no Enem. Num caso que foi parar na Corte, o preso havia conseguido o mínimo de 450 pontos em três das quatro matérias, diminuindo sua pena em 80 dias. A remição ocorreu mesmo com o exame não permitindo mais, desde 2017, a certificação de conclusão do ensino médio.
Presos preventivamente, o modelo Bruno Krupp e o ex-vereador Jairinho, além do anestesista Giovanni Quintella — detido em flagrante por estuprar uma paciente no parto —, poderiam usar uma aprovação se forem condenados. As defesas dos citados não informaram para qual curso eles concorrerão, apesar de na Uerj a escolha ser antes da prova. Os advogados de Flordelis contaram que antes de ser presa ela fazia Ciências Políticas.
A Seap explica que, para um preso cursar uma faculdade presencialmente, é preciso autorização judicial. Hoje, apenas uma mulher em todo o Rio conta com o benefício, estudando numa universidade pública. A reportagem teve acesso ao caso de um condenado por tráfico de armas aprovado para a UFRJ, mas que, apesar de um habeas corpus do STJ, ainda não teve acesso às aulas. Inicialmente, o Tribunal de Justiça do Rio negou pedido da defesa, alegando que ele precisa cumprir a pena em regime fechado até maio de 2024 (a condenação soma mais de oito anos) e que as saídas não são um direito absoluto. A decisão considerou que “o tempo remanescente da pena a ser cumprida leva o juízo a apreciar com mais cautela sobre a probabilidade de o apenado já estar apto a ser inserido no meio social”.
Ao recorrer, a defesa conseguiu uma vitória em Brasília. Mas a Seap diz aguardar uma retificação sobre o curso que ele faria para cumprir a decisão. Para o ministro do STJ Rogério Schietti Cruz, “o fato de o apenado já possuir diploma de curso de ensino superior não elide a importância dos estudos para o adequado resgate das reprimendas a ele impostas, de maneira a permitir de maneira mais eficaz sua posterior reintegração à sociedade”.
A cada 12h, um dia a menos
A Lei de Execuções Penais estabelece que, a cada 12 horas de estudo, a pena é abatida em um dia. Ivana David, desembargadora especialista em Teoria da Prova no Processo Penal e integrante da Coordenadoria Criminal e de Execuções Criminais do Tribunal de Justiça de São Paulo, afirma que o tempo de estudo entra na contagem mesmo em caso de reprovação do preso:
— Um fato curioso é que a medida não estipula nível de desempenho. Presos na faculdade podem ser reprovados, repetir matérias, sem ter o tempo de estudo descontado. Mas a instituição de ensino pode sinalizar que o preso está se valendo de má-fé ou que não está comprometido com os estudos. Nessas situações, o pedido de remição pode ser indeferido pelo juiz.
Ela ressalta que, numa condenação, o juiz pode incluir no cálculo final, além dos dias cumpridos preventivamente, a remição de dias por trabalho e estudo. A Seap mantém no estado escolas de ensinos fundamental e médio em 21 unidades prisionais, que atendem quatro mil detentos. Eles têm acesso a bibliotecas, mas não podem entrar na internet.
— Não se muda nada simplesmente condenando e trancando um indivíduo numa cela. Ele não sairá de lá reintegrado; no máximo, mais revoltado. O grande desafio, principalmente quando falamos de crime organizado, é evitar que os presos saiam piores — destaca Ivana David.
Fonte: extra.globo.com