Em meio a diversas propostas que vinham sendo discutidas ao longo do ano - como a polêmica segregação de patrimônio dos investidores, que acabou rejeitada por maioria -, foram aprovadas três alterações penais que, se sancionadas, repercutirão nos casos levados ao Poder Judiciário.
A primeira delas é a criação do tipo penal de "fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros", que, na versão aprovada[2], pune com a elevada pena de 4 a 8 anos de reclusão, além de multa, a conduta de "organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteiras ou intermediar operações que envolvam ativos virtuais, valores mobiliários ou quaisquer ativos financeiros com o fim de obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento." Se sancionado, o tipo permitirá a punição não apenas dos responsáveis pela intermediação de ativos virtuais, mas também daqueles que gerirem de forma fraudulenta carteiras de investimento em geral, o que, até o momento, não possuía tipificação específica.
Em razão da pena, não caberá o acordo de não persecução penal previsto no art. 28-A do CPP, admitido para infrações penais praticadas "sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos".
Diferente do estelionato, que possui pena menor - de 1 a 5 anos de reclusão, além de multa -, o novo tipo penal permitirá ainda a punição de pessoas que incorrerem na conduta independentemente de prejuízo ao investidor, bastando a intenção de causá-lo. Também não será necessário que a vítima faça representação, no prazo de 6 meses, para que o infrator seja processado, já que a conduta passará a ser punida em tipo especial em que essa exigência não foi inserida.
Outra alteração aprovada pela Câmara dos Deputados foi a inclusão de dispositivo na Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional[3], equiparando a "instituição financeira" as prestadoras de serviços referentes a operações com ativos virtuais. Com isso, ficam resolvidas equiparações que já vinham ocorrendo na prática, em situações envolvendo intermediação, negociação ou custódia de ativos virtuais.
Em 23 de agosto deste ano, por exemplo, o STJ manteve denúncia oferecida no contexto da Operação Kryptos, em que a atividade da prestadora de serviços de ativos virtuais foi considerada intermediação financeira, mesmo sem previsão legal. De acordo com a decisão, "questões referentes à caracterização de atividade de instituição financeira"[4], entre outras em discussão naquele caso, deveriam "ser reservadas para o debate ao longo do processo criminal, ocasião em que as partes podem produzir aquelas provas que melhor atenderem aos seus respectivos interesses"[5]. Uma vez sancionada, a equiparação diminuirá a insegurança jurídica em situações como essa e possivelmente abrirá espaço para rediscutir equiparações realizadas sem apoio em lei.
Por fim, o projeto incluiu também as prestadoras de serviços de ativos virtuais no rol de pessoas obrigadas a adotar medidas de controle pela Lei de Lavagem de Dinheiro[6] - o que deve levar à implementação de mecanismos internos mais sofisticados para identificação de clientes, registro e comunicação de operações suspeitas -, além de inserir causa de aumento de pena de 1/3 a 2/3 se os crimes forem cometidos por meio da utilização de ativo virtual. A pena atualmente estabelecida para a lavagem de dinheiro é de 3 a 10 anos de reclusão, além de multa.
Sancionado o projeto, as alterações penais apenas surtirão efeito com a entrada em vigor da nova lei, que pode ainda sofrer vetos, e apenas poderão retroagir em benefício dos acusados.
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[1] Art. 66, §1º da Constituição Federal: "Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto."
[2] Diferente da que havia sido proposta pelo Senado Federal, com pena mais branda, de 2 a 6 anos de reclusão, e multa.
[3] Lei 7.492, de 16 de junho de 1986.
[4] Superior Tribunal de Justiça, HC 690.868/RS, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, j. em 23/8/22.
[5] Idem.
[6] Lei 9.613, de 3 de março de 1998.
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Natasha do Lago
Advogada criminalista, sócia de Ráo & Lago Advogados, mestre em Direito Penal pela USP e autora de "Corrupção internacional: aspectos jurídicos", publicado pela Lumen Juris em 2020.
Link: https://www.migalhas.com.br/depeso/377904/a-regulacao-de-criptoativos-o-que-muda-para-o-direito-penal
Fonte: migalhas.com.br