De acordo com o centro universitário, um processo disciplinar foi aberto para apurar a conduta das três jovens.
No entanto, durante o processo, Giovana Cassalatti, Beatriz Pontes e Bárbara Calixto solicitaram a desistência do curso de biomedicina. Ainda segundo a instituição, com a medida, "o processo perdeu o objeto e por isso foi finalizado".
Nas imagens que viralizaram na sexta-feira (10), as universitárias ironizam Patrícia Linares, colega de turma e caloura do 1º ano do curso de biomedicina na Unisagrado, que completou 45 anos esta semana (veja o vídeo aqui).
“Gente, quiz do dia: como ‘desmatricula’ um colega de sala?”. Logo depois, outra responde: “Mano, ela tem 40 anos já. Era para estar aposentada”. “Realmente”, concorda a terceira.
As ofensas relacionadas ao etarismo geraram indignação nas redes sociais e o vídeo teve alcance de mais de 7 milhões de visualizações até esta quinta-feira (16).
A defesa de uma das jovens, Giovana Cassalatti, publicou na noite de quarta-feira (15) um comunicado, nas redes sociais, afirmando que a estudante está sendo alvo de ameaças e linchamento virtual em virtude do envolvimento no caso. (Nota na íntegra ao final)
Questionado sobre a desistência de Giovana do curso, o advogado César Augusto da Silva, que representa a jovem, afirmou que "a desistência tem origem no medo de retornar às atividades na universidade, em razão das ameaças que vem sendo feita" e "nada tem a ver com o processo disciplinar instaurado que, aliás, sequer havia sido oficialmente notificado à aluna", pontuou ao g1.
O g1 busca contato com as outras duas estudantes envolvidas na polêmica para comentar a desistência, mas até a última atualização desta reportagem não houve retorno.
Caso Patrícia Linares
Estudante hostilizada por ter mais de 40 anos cursa biomedicina em Bauru — Foto: Arquivo pessoalO vídeo gravado na quinta-feira (9) viralizou no dia seguinte em uma publicação no Twitter que já soma mais de sete milhões de visualizações.
Ao g1, Patrícia contou que soube do vídeo no mesmo dia da divulgação, enquanto se preparava para apresentar um trabalho da faculdade, e disse que ficou muito abalada. Ela havia iniciado as aulas na instituição dez dias antes do episódio.
“Nós tínhamos um trabalho de anatomia superdifícil para apresentar. Durante o intervalo da aula, fui para o banheiro. Tinha várias pessoas olhando para mim. Pensei: ‘Meu Deus. O que será que está acontecendo?'", conta.
"Antes de eu voltar para a sala, duas pessoas, que não sei quem são, me chamaram. Perguntaram se eu era a Patrícia e falaram: ‘Sabia que tem um vídeo seu rolando na faculdade?’. Fiquei preocupada. Falei: ‘Ué, será que alguém me filmou?’. Falaram que não. ‘São três meninas que estão falando mal de você’."
A caloura de biomedicina, que completou 45 anos na última terça-feira (14), revelou que durante muito tempo adiou o sonho de cursar uma graduação, mas que, agora, finalmente conseguiu realizá-lo.
“É um sonho de adolescência que nunca pude realizar porque tive várias interrupções de estudo. E agora também não vou desistir, o sonho não morreu dentro de mim”, conta.
No mesmo dia em que soube do vídeo, a estudante recebeu apoio de colegas de faculdade, que entregaram flores, cartas e chocolate a ela.
Ao g1, uma das estudantes que aparecem no vídeo, Bárbara Calixto, disse na semana passada que as três estão arrependidas do que falaram e que o vídeo foi uma "brincadeira de mau gosto".
"Nunca foi na intenção de dizer que pessoas de mais idade não podem adquirir uma graduação, pois não tenho esse pensamento. Foi uma fala imprudente e infeliz que tomou uma proporção que não imaginávamos", disse Bárbara, logo que o vídeo ganhou repercussão nas redes sociais.
Ela contou que as imagens foram postadas inicialmente no "close friends" do Instagram (recurso que permite que o usuário selecione seguidores específicos), mas acabou saindo da roda de amigos e viralizou, o que também foi confirmado por Giovana Cassalati.
"O fatídico vídeo foi publicado em rede social de uma das alunas e, apenas, para seus 15 (quinze) melhores amigos", diz o comunicado de Giovana.
O caso gerou repercussão em todo o Brasil, sendo comentado até mesmo pelos ministros dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, e da Educação, Camilo Santana, que repudiaram o etarismo contra Patrícia. Alunos com mais de 40 anos também defenderam Patrícia nas redes sociais. Segundo especialistas, as três alunas podem responder na Justiça pelo episódio.
Patrícia Linares foi vítima de etarismo por três colegas de sala em uma universidade particular de Bauru (SP) — Foto: Arquivo pessoalPosicionamento da universidade
A universidade publicou uma nota na rede social horas depois que o vídeo viralizou, mas sem fazer menção direta ao caso.
No comunicado, afirma que não compactua com qualquer tipo de discriminação e que acredita que “todos devem ter acesso à educação de qualidade, desde pequenos até quando cada um quiser, porque educação é isso: autonomia”.
A publicação também diz que “as oportunidades não são iguais para todo mundo em todos os momentos da vida. Sabemos, por exemplo, que os pais, muitas vezes, abrem mão da sua formação para oferecer as melhores oportunidades para seus filhos e, somente depois, optam por se profissionalizarem”.
Universidade publicou nota de posicionamento horas depois — Foto: Instagram/ReproduçãoNos comentários da publicação, várias pessoas cobraram medidas por parte da instituição. "Não vai ter uma retratação das queridas? Uma ação disciplinar? Por acho que só um posicionamento não haverá mudanças!!!", disse uma mulher.
"Queremos uma ação disciplinar para que fiquem TODOS cientes que esse tipo de atitude é totalmente descabível e não venha se repetir nunca mais", comentou outra.
À época, a assessoria da universidade disse que está tomando medidas em relação às universitárias envolvidas no caso. "Mas por respeito a todos os envolvidos estamos trabalhando no âmbito institucional e não divulgaremos", disse.
De acordo com uma das jovens que aparece no vídeo, a faculdade orientou as estudantes e "deu a oportunidade de recomeçar e amadurecer, mudar nossos pensamentos e perceber que comentários assim, sendo brincadeira ou não, são levados muito a sério".
Nesta quinta-feira (16), a Unisagrado confirmou a abertura do processo disciplinar contra as estudantes e a posterior desistência das alunas antes da conclusão da ação.
Preconceito com idade
Etarismo é o nome dado à discriminação e ao preconceito relacionado com a idade de uma pessoa. Essa repulsa pode resultar, inclusive, em violência verbal, física ou psicológica.
No dia a dia, o etarismo pode se manifestar de diferentes maneiras: como piadas, infantilização ou atitudes que geram exclusão da vítima. No meio profissional, esse preconceito também se mostra em postagens de candidaturas de vagas de emprego com limite de idade ou em frases como "você está velho para isso".
As denúncias de violações de direitos humanos podem ser feitas de maneira anônima pelo Disque Direitos Humanos, o Disque 100.
Nota na íntegra da estudante Giovana Cassalatti
"Giovana Cassalatti, universitária bauruense envolvida em caso de grande repercussão midiática na última semana, vem, por seu advogado, manifestar-se quanto ao ocorrido.
Antes de tudo, cumpre esclarecer que o caso tomou proporções inimagináveis, pois inicialmente o fatídico vídeo foi publicado em rede social de uma das alunas e, apenas, para seus 15 (quinze) melhores amigos.
Logo, afirma-se que jamais objetivou-se atentar contra a imagem ou qualquer outro direito da personalidade pertencente à personagem alvo das falas contidas no vídeo, que, por sua vez, sequer teve seu nome citado.
Ao contrário, um dos participantes do precitado grupo restrito da rede social utilizou-se do vídeo para lançá-lo na rede mundial de computadores, de maneira irrestrita, sem contexto e em prejuízo à imagem das integrantes do vídeo.
Ressalta-se que as falas podem ter repercussão no campo moral. Entretanto, a tentativa de criminalização e as suposições quanto à possíveis atos ilícitos no âmbito civil, amplamente veiculadas nos últimos dias, ultrapassam a medida do razoável.
Os fatos ganharam tamanha proporção que as jovens passaram a ser alvo de ameaças de morte e agressão, o que lhes impede de retomar suas vidas cotidianas. Trata-se, pois, de sequelas infinitamente maiores às, supostamente, impelidas a quaisquer dos personagens envolvidos no caso.
Neste ponto, é preciso destacar a força das redes sociais e seus influenciadores que, por não medirem a força de seus posicionamentos e colocações acabam por incentivar o linchamento virtual e por incitar grupos radicais à prática de agressões reais.
Sobre o tema, informamos que as medidas jurídicas contra àqueles que ofendem, agridem, disseminam informações falsas, criam perfis falsos em redes sociais e ameaçam a integridade física da universitária serão tomadas em momento oportuno, pois o ambiente virtual não pode servir de escudo para a prática de crimes.
Tais questões, por óbvio, geraram repercussão na saúde mental da universitária, pois os valores morais recebidos de sua família são incompatíveis com o desejo de inferiorizar um semelhante, independentemente do que vem sendo veiculado.
O preconceito - seja ele etário, racial, social, religioso, de gênero e todas as suas demais expressões - não faz parte dos valores disseminados pela estudante, de maneira que o episódio reforçará sua busca por posições que se coadunem com seus princípios éticos e morais em seu cotidiano.
Por fim, em que pese sabidamente complexo, o ocorrido não deve servir-se ao papel de oprimir, calar, envergonhar ou ameaçar jovens, cuja trajetória ainda se inicia. Inevitavelmente, durante a vida, lições serão aprendidas, entretanto a maneira de ensiná-las é uma escolha da sociedade em que vivemos".
Por Luís Ricardo da Silva e Heytor Campezzi, g1 Bauru e Marília
Fonte: g1