Com esse entendimento, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo validou uma lei de Mauá, que prevê isenção de taxas de inscrição em concursos públicos e descontos em ingressos de espetáculos culturais, artísticos e esportivos para doadores de sangue e medula óssea.
A lei, de autoria parlamentar, foi contestada pela Prefeitura de Mauá, que apontou vício de iniciativa, pois a matéria seria reservada à iniciativa do chefe do Executivo, além de ofensa ao princípio da legalidade e da isonomia. Entretanto, por unanimidade, a ação foi julgada improcedente.
Segundo o relator, desembargador Francisco Casconi, as matérias reservadas à iniciativa privativa do chefe do Executivo encontram-se discriminadas no artigo 24, §2º, da Constituição Estadual e, de maneira geral, englobam temas relacionados às estruturas administrativa e funcional do município.
"A matéria tratada na lei impugnada não versa sobre quaisquer das hipóteses constitucionalmente asseguradas de iniciativa privativa do chefe do Executivo, tampouco ingressa em tema de reserva da administração (artigo 47, CE), sendo, portanto, comum ou concorrente a iniciativa para sua edição", disse.
O magistrado ressaltou que a taxa de inscrição em concursos públicos não ostenta natureza propriamente tributária, por não se enquadrar no conceito de taxa de serviço (tributo) ou mesmo preço público, mas sim na categoria de “outros ingressos”, indicada no caput do artigo 159 da CE, constituindo modalidade de receita pública.
Dessa forma, legislar sobre isenção da taxa de inscrição de concurso público, explicou Casconi, não aborda matéria própria de servidores públicos e seu regime jurídico, "pois o tema envolve norma sobre condição para se alcançar a investidura em cargo público, em momento que antecede a caracterização do candidato como servidor público".
O relator também não verificou afronta aos princípios norteadores da administração pública, como o da isonomia, como alegado pela prefeitura. Casconi citou parecer da Procuradoria-Geral de Justiça no sentido de que a lei encontra amparo no princípio da dignidade humana, sob o enfoque daquele que precisará do sangue ou da medula óssea.
"A situação excepcional objeto da norma, ou seja, notória necessidade de doadores para alimentar os bancos de saúde e de medula óssea e para propiciar o adequado funcionamento do sistema de saúde, revela, em tese, a possibilidade de legítimo tratamento diferenciado por parte do legislador, haja vista sua finalidade em prol da concretização dos princípios da dignidade da pessoa humana e solidariedade, não podendo se falar em violação ao princípio da isonomia", disse a Procuradoria.
Desconto em ingressos
O relator também afastou qualquer inconstitucionalidade na concessão de meia-entrada para doadores de sangue e medula óssea. Para Casconi, é possível a intervenção estatal na economia por indução, prestigiando o direito à saúde e à vida, além de incentivar as doações no município.
Segundo o magistrado, trata-se de norma voltada à concretização local da política nacional de doação de sangue, instituída pela Lei 10.205/2001, "uma temática que reverbera em interesse local à vista da volatilidade e da variação elementar aos estoques correlatos, que estão sujeitos, portanto, a especificidades e peculiaridades de cada comuna".
O desembargador lembrou que, em julgamento recente, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o município, no exercício de sua competência suplementar e observadas as especificidades locais, pode ampliar a concessão de meia-entrada para além do previsto na lei federal que regulamenta o benefício.
"A própria jurisprudência do C. Supremo Tribunal Federal já admitiu em diversas oportunidades que o legislador municipal amplie a concessão de desconto/meia-entrada para além do previsto na Lei Federal, sem que isto macule a lei municipal de inconstitucionalidade, vez que estará de acordo com preceitos constitucionais mais amplos relativos aos direitos sociais, econômicos e culturais", explicou.
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Processo 2019799-29.2022.8.26.0000
Por Tábata Viapiana
Fonte: ConJur