Associação criminosa, associação para o tráfico e organização criminosa: como diferenciar?

Por @wilsonalj | Muitas são as dúvidas atinentes aos delitos de associação criminosa, associação para o tráfico e organização criminosa, e como diferenciá-los no caso concreto. Assim, abordar-se-á justamente os respectivos arcabouços jurídicos relacionados a tais crimes em seus diversos aspectos.

No que concerne ao crime de associação criminosa, faz-se imperioso destacar o advento da Lei nº 12.850/13. Esta lei trouxe diversas modificações importantes no artigo 288 do Código Penal, dentre as quais a modificação do nomen iuris de “quadrilha ou bando” para “associação criminosa” e a alteração na quantidade de agentes para a caracterização do crime, de 4 (quatro) para 3 (três) sujeitos.

Os termos “quadrilha” ou “bando” quase sempre foram entendidos como sinônimos, entretanto, alguns doutrinadores, a exemplo de Ribeiro Pontes, traziam diferenças entre tais terminologias. Para a corrente que entendia pela diferenciação terminológica, quadrilha seria uma associação de, pelo menos, quatro agentes, que tinham por finalidade cometer crimes nas cidades grandes, sobretudo, nas capitais. Já a expressão “bando” era tida como uma associação de, pelo menos, quatro agentes, que tinham por finalidade cometer crimes no interior, sendo, na maioria das vezes, em zonas rurais. Hoje, estas diferenciações são irrelevantes, visto que houve a mudança da nomenclatura do crime para associação criminosa.

Sintetizando:

Quadrilha ou bando (antes da Lei 12.850/13) Associação criminosa (após a Lei 12.850/13)
Art. 288. Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Parágrafo único. A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado.
Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.

Para a caracterização do delito de associação criminosa, é fundamental uma vinculação associativa, estável e permanente, de, no mínimo, 3 (três) pessoas, sendo desnecessária a posição ocupada ou a hierarquia entre os sujeitos. Além disso, mesmo inimputáveis ou pessoas não identificadas devem ser computados para a verificação do número de agentes. Quanto ao fim especial de cometer crimes indeterminados (elemento subjetivo especial do tipo), não estão abrangidos crimes preterdolosos, crimes culposos ou contravenções penais. Nos casos de os crimes visados serem hediondos ou equiparados, o art. 8º da Lei 8.072/90 (Lei dos crimes hediondos) traz uma qualificadora, cuja pena será de reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos.

O delito de associação criminosa difere do concurso de pessoas pelo fato deste ser apenas uma associação passageira com o cerne de praticar delitos determinados. Ademais, na associação criminosa, faz-se necessária a reunião dos agentes antes da deliberação dos crimes a serem cometidos, algo que, no concurso de pessoas, não ocorre.

Não se faz necessário o cometimento de quaisquer crimes visados para a consumação da associação criminosa, sendo apenas indispensável a concretização da convergência de vontades criminosas. Na hipótese de a associação praticar algum delito, ocorrerá concurso material de crimes.

Quanto ao crime de associação para o tráfico, este está previsto na Lei 11.343/06 (Lei de drogas), no artigo 35, com a seguinte redação: “Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa”. Além disso, em seu parágrafo único, o art. 35 estatui que “Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei”, trazendo uma figura equiparada, consistente na associação para o financiamento do tráfico.

Como se percebe, a associação para o tráfico, diferente da associação criminosa, exige, para a sua caracterização, um número mínimo de 2 (dois) agentes, com o propósito de praticar os delitos previstos nos arts. 33, caput (tráfico de drogas); 33, §1º (figuras equiparadas ao tráfico de drogas); e o 34 (tráfico de maquinário). Por outro lado, assim como a associação criminosa, na associação para o tráfico também é fundamental a estabilidade e permanência duradoura da associação, caso contrário, nas hipóteses de vinculação esporádica, caracterizar-se-á um simples concurso de pessoas.

Por ser um crime autônomo, não se faz necessário a prática dos delitos dos arts. 33, caput; 33, §1º; e 34, todos da Lei de drogas, para a caracterização do delito de associação para o tráfico, entretanto, caso sejam cometidos, os agentes responderão em concurso material de crimes. Ademais, o art. 35 da Lei de drogas não é apontado como crime equiparado a hediondo.

No que tange ao delito de organização criminosa, está previsto na Lei nº 12.850/13, tendo sua definição expressa no art. 1º, §1º, segundo a qual “Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”. Já o art. 2º estatui que “Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa: Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas”, devendo ser complementado pelo conceito supramencionado do art. 1º, §1º (norma penal em branco homogênea).

Neste panorama, para a caracterização do crime de organização criminosa, é imperioso a associação estável e permanente de, no mínimo, 4 (quatro) agentes, devendo sua estrutura ser organizada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que de maneira informal, tendo por objetivo obter, de forma direta ou indireta, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional (nesta hipótese, o quantum da pena é irrelevante).

Em se tratando de organização criminosa direcionada à prática de crimes hediondos ou equiparados, com base no art. 1º, parágrafo único, inciso V, da Lei º 8.072/90, tem-se que também se considera crime hediondo.

Resumindo:

Associação criminosa Associação para o tráfico Organização criminosa
Código Penal Lei 11.343/06 Lei 12.850/13
Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes: Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º , e 34 desta Lei: Art. 1º (...) § 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
(...)Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa. Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.
No mínimo, 3 (três) agentes (crime plurissubjetivo ou de concurso necessário). No mínimo, 2 (dois) agentes (crime plurissubjetivo ou de concurso necessário). No mínimo, 4 (quatro) agentes (crime plurissubjetivo ou de concurso necessário).
Exige-se estabilidade e permanência. Exige-se estabilidade e permanência. Exige-se estabilidade e permanência.
Desnecessária a posição ocupada ou a hierarquia entre os agentes. Desnecessária a posição ocupada ou a hierarquia entre os agentes. Necessária estrutura ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas (hierarquia), ainda que informalmente.
Punível apenas a título de dolo, com finalidade específica de cometer crimes indeterminados. Punível apenas a título de dolo, com finalidade específica de cometer, reiteradamente ou não, os crimes dos arts. 33,
caput (tráfico de drogas); 33, §1º (figuras equiparadas ao tráfico de drogas); e o 34 (tráfico de maquinário).
Punível apenas a título de dolo, com finalidade específica de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza (patrimonial ou não), mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional (nesta hipótese, o
quantum da pena é irrelevante).
Crime formal, de perigo abstrato e permanente. Crime formal, de perigo abstrato e permanente. Crime formal, de perigo abstrato e permanente.
Bem jurídico: paz pública. Bem jurídico: saúde pública. Bem jurídico: paz pública.
Crime autônomo (desnecessária a prática de outro crime para a caracterização da associação criminosa). Crime autônomo (desnecessária a prática de outro crime para a caracterização da associação para o tráfico). Crime autônomo (desnecessária a prática de outro crime para a caracterização da organização criminosa).
Inadmite tentativa. Inadmite tentativa. Inadmite tentativa.

Por fim, faz-se necessário um estudo minucioso acerca destes delitos, os quais, ainda que pareçam ter bastantes semelhanças, possuem arcabouços jurídicos e tipificações completamente diferentes, requerendo uma atenção maior do leitor. 

Por Wilson Alvares (@wilsonalj), graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco, especialista lato sensu em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade Damas da Instrução Cristã, mestre em Direito Penal pela faculdade Damas da Instrução Cristã. Como atuação profissional, exerceu o cargo efetivo de Auxiliar Administrativo na Prefeitura Municipal de Vitória de Santo Antão e, posteriormente, a função de confiança de Secretário de Gabinete/ Assessor na Justiça Federal de Pernambuco (9ª Vara Federal). Atualmente, é advogado criminalista e de sucessões, bem como professor de Direito Penal e Direito Processual Penal.
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