Advocacia e Judiciário adotam iniciativas para combater o “Juridiquês”

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Via @acessa.com_ | O STF (Supremo Tribunal Federal) precisava chamar um "professor de javanês", afirmou o ministro Luís Roberto Barroso em novembro de 2019. O comentário se referia a um voto de seu colega de corte Dias Toffoli, que durou mais de quatro horas e, para o ministro, era impossível de compreender.

Toffoli havia se manifestado na corte sobre o compartilhamento, sem autorização judicial, de informações entre órgãos de controle e autoridades investigativas. O verdadeiro teor da fala, porém, teria se escondido atrás de um denso juridiquês --o linguajar empolado e os termos técnicos do direito. E mesmo seus colegas tiveram dificuldade em entender.

Iniciativas de Tribunais de Justiça e um curso organizado pela OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo) são exemplos de ações que vêm tentando remediar os textos longos e de difícil compreensão na esfera legal.

"Se um cidadão comum não consegue entender uma portaria do Ministério da Saúde --e a gente viu isso muito na pandemia--, como é que ele vai entender a questão dos direitos dele?", questiona Ivy Farias, advogada e jornalista.

Junto de Marcio Caparica, especialista em comunicação digital, ela organizou um curso gratuito, promovido em junho, intitulado "Escrever Direito: Escrita Criativa para Advocacia". Agora, a dupla tenta levá-lo a outras seccionais da OAB.

Os dois reuniram recomendações --muitas delas presentes no livro "Escrever Direito: Manual de Escrita Criativa Para Carreiras Jurídicas" (editora A Palavrista, 2020)-- para advogados e estudantes de direito evitarem o juridiquês. Elas vão desde a construção de frases (com enfoque no uso da ordem direta, ou seja, sujeito, verbo e complemento, assim dispostos) até as escolhas de termos.

"Tem o condão", "outrossim" e "em tela", por exemplo, podem dar lugar a "é capaz", "igualmente" e "em questão", conforme as recomendações da dupla. Retomadas de alguém já citado podem ser feitas por pronomes como "este" ou "ele", em vez de "o mesmo". Traduções devem ser preferidas a termos estrangeiros; se impossível traduzir, ao menos explicar o significado.

"O valor [do advogado] para os clientes aumenta muito no momento em que ele é capaz de fazer um documento que o cliente não precisa reler duas ou três vezes", afirma Marcio. A dupla também chama atenção para uma linguagem mais inclusiva no mundo do direito.

Usar "homossexualidade" em vez de "homossexualismo", "orientação" em vez de "opção" sexual, e, quando tratando com pessoas trans, não usar nome de registro, mas sim o nome social, são outras recomendações que acham importantes.

Para Yasmin Curzi, professora de direito da FGV-Rio, os termos específicos do direito têm hora e lugar. "Não dá para chegar para um aluno e falar que ele não deve usar os termos jurídicos adequados numa petição judicial, porque senão o Judiciário em si vai reclamar", explica a professora e advogada.

Mas, para Yasmin, mesmo algumas situações típicas do direito (como os juizados especiais, em que leigos podem não estar acompanhados de advogados) acabam ganhando em claridade se os vícios de linguagem forem evitados e a comunicação com o público for privilegiada.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, neste ano, somou a esses esforços por uma maior clareza na comunicação ao publicar seu Manual da Linguagem Simples.

Ricardo Rodrigues Cardozo, presidente do TJ-RJ, ressalta que esse esforço vem depois de o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) publicar, em 2009, sua Resolução 85.

O documento salientava ser necessário "divulgar, de forma sistemática, em linguagem acessível e didática, os direitos do cidadão e os serviços colocados à sua disposição pelo Poder Judiciário".

"A nossa grande dificuldade é se despir [do linguajar próprio do direito]", diz Cardozo. "Nos grupos que a gente conversa, [devemos] perceber que há uma diversidade e que não podemos usar aqueles termos."

O manual do TJ-RJ dá ênfase também ao visual law --o direito visual--, ou seja, ao uso de imagens em documentos jurídicos. Ao menos outros dois Tribunais de Justiça publicaram livretos similares: o de Mato Grosso e do Rio Grande do Sul. As justificativas das publicações são as mesmas: tornar a Justiça mais acessível.

Por Renato Brocchi
Fonte: acessa.com

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