O conceito, que versa sobre infrações cometidas por uma multidão, tem sido aplicado pela PGR (Procuradoria-Geral da República) em denúncias apresentadas ao Supremo. Para os advogados de Firmino, seu uso viola a Constituição e a garantia de ampla defesa.
Manifestantes bolsonaristas depredam as sedes dos Três Poderes, em Brasília - Gabriela Biló - 8.jan.2023/Folhapress"Como é que você vai defender alguém por uma acusação abstrata? É algo que absolutamente cerceia e impossibilita a defesa", afirma o advogado Gabriel Tyles, que defende uma responsabilização individualizada.
Em alegações finais apresentadas à corte, a defesa de Firmino afirma que os chamados "crimes multitudinários" são baseados em teorias psicológicas que não poderiam, jamais, servir de parâmetro para responsabilizar indivíduos.
"Não há espaço em um Estado democrático de Direito para acusações abstratas, sob pena de violação ao princípio da ampla defesa e do contraditório", dizem os advogados Euro Bento Maciel Filho e Gabriel Tyles.
"O princípio da individualização da pena tem como consequência dar a cada um o que é seu, isto é, a absolvição ou condenação com uma pena justa, devidamente individualizada, na medida de sua culpabilidade", acrescentam.
Os advogados ainda dizem ser contraditório o fato de Firmino ser acusado de fazer parte de um crime multitudinário ao mesmo tempo em que foi denunciado por associação criminosa.
O primeiro delito, segundo a PGR, ocorre quando "um agente exerce influência sobre o outro, a ponto de motivar ações por imitação ou sugestão", ainda que os envolvidos não se conheçam. Já o segundo pressupõe uma combinação prévia.
Na denúncia apresentada ao STF, o MPF (Ministério Público Federal) diz que Firmino atuou como executor dos atos que resultaram na depredação das sedes dos três Poderes, em Brasília. "Todos atuavam em concurso de pessoas, unidos pelo vínculo subjetivo", diz o órgão.
Os advogados do bolsonarista expressaram nos autos sua indignação em relação ao enquadramento. "Nada mais absurdo, data venia. Afirmar que o acusado agiu desta ou daquela forma, praticando crime, sem, absolutamente, qualquer descrição de conduta é irrazoável", afirmam.
De acordo com Euro Filho e Tyles, não há no processo qualquer prova de que Firmino tenha participado ativamente da depredação, embora tenha gravado um vídeo, do alto de uma das torres do Congresso Nacional, em que mostrava a multidão golpista em ação. "É tiro, bomba e porrete", dizia o bolsonarista, enquanto filmava a ocorrência. "Vocês estão vendo tudo de cima, hein? Olha o luxo."
Além do uso do conceito de crimes multitudinários, os representantes de Firmino questionam o fato de ele se encontrar detido no complexo penitenciário da Papuda, em Brasília, desde o dia 8 de janeiro. Ainda não há uma data para o julgamento de seu caso.
No início deste mês, a PGR se manifestou favoravelmente a um pedido de liberdade provisória. O órgão condicionou a liberação ao uso de tornozeleira eletrônica, à proibição de se ausentar do país, ao cancelamento de seus passaportes e ao veto a redes sociais, entre outros pontos. O ministro Alexandre de Moraes, relator dos processos do 8/1, no entanto, ainda não se manifestou.
"Estou inconformado. Com Wellington não foi encontrado, apreendido nada e ele continua preso. Ele é [réu] primário, sem quaisquer antecedentes criminais, trabalhador, tem empresa constituída, família estruturada, residência fixa e está preso, sem qualquer individualização de conduta, desde o dia 8 de janeiro", afirma Tyles.
"Até a nossa Lei de Execução Penal proíbe, expressamente, 'sanção coletiva'. O que isso significa? Se um celular for encontrado numa cela, não se pode punir todos os presos, indistintamente. Deve-se individualizar as condutas", diz o advogado. "Essa 'conta' não fecha. É uma teoria que não tem respaldo em nosso sistema jurídico."
Coluna Mônica Bergamo
com BIANKA VIEIRA, KARINA MATIAS e MANOELLA SMITH
Fonte: folha.uol.com.br