O Senado analisa uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para autorizar a venda do plasma para o desenvolvimento de novas tecnologias e para a produção de medicamentos. Parlamentares governistas já expressaram oposição à medida (veja detalhes abaixo).
"O sangue não pode ser comercializado de modo algum. Não pode ter remuneração de doadores, e isso foi uma conquista da nossa Constituição. O senhor lembra bem das pessoas que vendiam sangue", disse Nísia, ao ser questionada sobre o tema pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A partir do plasma sanguíneo, a indústria farmacêutica consegue separar fatores e insumos específicos para o tratamento de diversas doenças. Esse material pode ser passado diretamente ao paciente, como uma transfusão, ou transformado em medicamento pelos laboratórios.
No Brasil, a produção e a venda dos chamados "hemoderivados" – medicamentos derivados do sangue humano – só podem ser feitas pelo Estado.
Fundada em 2004 pelo primeiro governo Lula, no entanto, a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobras) ainda não ficou pronta e, atualmente, só produz dois hemoderivados: os chamados "fator VIII" e "fator IX", voltados a pessoas com hemofilia.
Com isso, para obter outros hemoderivados, a Hemobras é obrigada a exportar o plasma sanguíneo brasileiro "bruto" para laboratórios no exterior – e, em seguida, importar o material beneficiado, mais caro.
Segundo a ministra da Saúde, o governo trabalha para que a Hemobras possa ampliar a oferta de hemoderivados até 2025.
"Hoje, nós temos para o desenvolvimento desses produtos a Hemobrás, que é uma grande conquista. E que hoje, vai já entregar o fator 8, que é para o tratamento dos hemofílicos. E já em 2025, a entrega dos outros produtos derivados do plasma", disse Nísia Trindade.
Segundo material divulgado pela Casa Civil, o governo federal deve investir R$ 900 milhões no parque fabril da Hemobras em Goiana (PE). Os recursos fazem parte do Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC).
Ao todo, R$ 8,9 bilhões são previstos para o que o governo chama de "Complexo Industrial da Saúde", sendo R$ 7,9 bilhões até 2026. Lula e Nísia lançam, na manhã desta quarta, uma "nova estratégia" para o setor.
Em 2022, o Jornal Nacional mostrou que os hemocentros do país viviam uma crise nos estoques de sangue – pior, até, que o período crítico da pandemia. (veja aqui)
Congresso debate comércio de plasma
A PEC para autorizar o comércio de plasma humano tramita desde 2022 e, atualmente, tem parecer favorável da relatora Daniella Ribeiro (PSD-PB) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
O tema chegou a ser pautado para votação na CCJ, mas foi adiado a pedido de senadores governistas. O Ministério da Saúde é contrário à proposta.
Atualmente, o artigo 199 da Constituição proíbe a "todo tipo de comercialização" de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento. A PEC quer abrir uma exceção a essa regra para tratar do plasma.
No parecer a favor do projeto, Daniella Ribeiro diz que "profissionais da área reclamam da dificuldade de realizar aquisições tempestivas desses produtos em quantidade adequada para atender à demanda dos pacientes brasileiros".
A relatora também faz alterações no texto original da PEC para deixar mais claro que, se o texto for promulgado, será possível:
• remunerar o doador de plasma;
• vender o plasma humano "para fins de uso laboratorial, desenvolvimento de novas tecnologias, produção nacional e internacional de medicamentos hemoderivados e outros".
Em abril, a Hemobras divulgou uma nota contrária à PEC. Segundo a estatal, "a doação de sangue altruísta e voluntária é uma cláusula pétrea que não deve ser alterada, não havendo, assim, espaço para doação remunerada".
"O projeto de pagamento para obtenção de plasma poderá afetar o equilíbrio do sistema transfusional acarretando, por consequência, indisponibilidade de sangue aos hospitais. A consolidação da indústria nacional de hemoderivados depende do maior fortalecimento da hemorrede e não da reorientação de uma política exitosa que vem sendo implantada nos últimos quarenta anos", diz a estatal.
Por Guilherme Mazui, Mateus Rodrigues, Pedro Alves Neto
Fonte: g1