Criação de lista de líderes de facções fere direitos individuais, afirmam criminalistas

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Via @consultor_juridico | Uma ideia do governo federal para combater o crime organizado tem provocado controvérsia entre advogados criminalistas. No último dia 18, a Advocacia-Geral da União e o Ministério da Justiça e da Segurança Pública enviaram ao Conselho Nacional de Justiça um pedido de providências em que solicitaram que o órgão oriente magistrados a terem mais cautela na análise de pedidos de liberdade provisória e de progressão de regime de líderes de facções criminosas.

O desejo do governo é que seja criada uma lista a ser consultada na concessão de liminares monocráticas que resultem na soltura de chefes das facções.  "Sobretudo devendo ser evitada a concessão de tais benefícios por decisões monocráticas em regime de plantão judiciário", diz a nota divulgada por AGU e MJSP. 

''O entendimento da União é que decisões que envolvam a soltura ou a concessão de benefício a indivíduos perigosos, que conhecidamente ocupam o alto escalão de organização criminosa, devem ser prolatadas com a máxima cautela, sempre que possível pelo órgão colegiado competente para tanto e que apenas fundamentos de urgência excepcional possam ser conhecidos em plantão judiciário'', continua a nota.

A sugestão do governo é que seja criado um Cadastro Nacional de Pessoas Condenadas ou Presas por Integrar Organização Criminosa, nos moldes do que o CNJ fez quando instituiu o Cadastro Nacional de Condenados por Ato de Improbidade Administrativa e por Ato que implique Inelegibilidade (CNCIAI).

E, embora isso não seja dito de maneira direta, a intenção do governo ao sugerir a criação da lista é que os criminosos cujos nomes lá estejam não recebam o benefício da liberdade previsória.

O fato que levou o governo federal a enviar o pedido de providências ao CNJ foi a decisão do desembargador Luiz Fernando Lima, do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), que no plantão judiciário do último dia 1º concedeu prisão domiciliar ao líder de uma organização criminosa que atua no estado. Após a decisão, o detento fugiu e atualmente se encontra foragido. Ele cumpria pena de 15 anos e quatro meses de prisão.

Em consequência da decisão, foi aberta uma reclamação disciplinar para apurar a conduta do magistrado e ele foi afastado do cargo por decisão do Plenário do CNJ.

Distorção

Criminalistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico alertam que a iniciativa do governo pode causar a distorção de alguns direitos individuais.

"Essa medida viola não só o princípio da individualização da pena, do devido processo legal, como o princípio da dignidade da pessoa humana. Acho que é lamentável que se crie uma ferramenta que vai causar uma distinção de tratamento entre certas pessoas", afirmou Rodrigo Faucz

O criminalista faz uma provocação: quem decide se a pessoa é líder de organização criminosa ou não? "A defesa tem de apresentar um recurso em relação a isso, já que se trata de uma decisão precária. O próximo passo é tratar de forma diferente aqueles casos que são considerados como midiáticos, ou seja, sempre que a opinião pública estiver contrária, o Judiciário vai dar uma resposta diferente para determinado caso?".

Inimigos públicos

O professor da PUC-RS Aury Lopes Jr. é ainda mais contundente. Ele sustenta que o governo quer criar uma "lista de inimigos públicos", em que o cidadão recebe a etiqueta de líder de facção e passa a receber um tratamento diferenciado.

"Devemos questionar: qual o critério para receber esse estigma? Vamos escolher os inimigos públicos com base no quê? Ou estamos diante de uma seletividade à la carte? Sim, é disso que se trata. Um Direito Penal do inimigo, onde algumas pessoas passam a ter um tratamento diferenciado, de forma absolutamente inconstitucional. Mais grave ainda é quando se rotula alguém que está sendo meramente investigado ou processado, mas que não foi definitivamente condenado."

Para Lopes Jr., "existe uma preocupação imensa quando se solta alguém, mas seria interessante ter essa mesma preocupação quando se prende a pessoa errada ou quando a prisão é completamente desnecessária e ilegal".

Alberto Zacharias Toron não enxerga qualquer ilegalidade no fato de o governo sugerir esse tipo de medida, já que entidades como a OAB também propõem melhorias no Poder Judiciário. Ainda assim, ele acredita que a ideia do governo é problemática.

"O que, sim, deve ser observado, e com muita estranheza, é a soltura de pessoas no plantão judiciário, sobretudo nesses casos que envolvem chefes do tráfico, de facções e coisas similares. Não que não se possa soltar pessoas no plantão, é perfeitamente possível", disse ele. "Eu acho que o ideal não é fazer uma lista de pessoas. Isso é um erro. O ideal é tornar mais claro quais casos podem ser julgados no âmbito do plantão judiciário e quais casos não podem. Se a gente tiver uma disciplina dessa possibilidade mais clara e rígida, eu tenho impressão de que isso resolveria grande parte dos problemas."

Por outro lado, o professor de Processo Penal do IDP Luís Henrique Machado acredita que a medida é necessária. Ele explica que quanto mais elementos informativos o magistrado tiver à sua disposição, menor será a chance de erro. 

"Todavia, importante destacar que a lista em nenhuma hipótese vincula a decisão do magistrado. Além disso, seria fundamental que a lista adotasse critérios rígidos para o registro do nome do investigado. Se a lista, entretanto, não se pautar em elementos concretos de investigação, a possibilidade de banalização é real, o que retiraria a sua credibilidade."

Ele também defende que, caso a medida seja implementada, a lista deve ser restrita às partes do processo e ao magistrado. "A medida de sigilo é, a meu ver, imprescindível, porque evitaria a prática de labeling, figura odiosa que tem o fim de rotular o investigado perante a sociedade, especialmente em processos altamente midiatizados."

Por Rafa Santos
Fonte: ConJur

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