O golpe ocorreu em 2017 foi investigado pela Polícia Civil e pelo Ministério Público de São Paulo. A investigação começou em 2019, e a sentença que condenou o ex-casal saiu no dia 29 de janeiro deste ano. Outros quatro réus no caso foram considerados inocentes e absolvidos: Fernando de Souza Silva, Thiago Prado de Santa Barbara, Patrick Rodrigues de Lima e Leandro Rodrigues de Lima.
As vítimas chegaram a receber nos primeiros meses algum retorno financeiro. A investigação acreditou que era para dar credibilidade ao negócio e fazer com que as vítimas trouxessem novos interessados.
O g1 não conseguiu contato com a defesa do ex-casal até a última atualização desta reportagem.
Entenda como funcionava o esquema dos estelionatários:
• As vítimas conheciam os negócios por meio de intermediadores e faziam a aplicação do dinheiro com promessa de retorno na compra de veículos seminovos;
• Eram prometidos lucros entre 4% e 8% ao mês;
• O investimento previa a suposta aquisição de carros seminovos no mercado a baixos preços;
• A associação revenderia esses carros a concessionárias com sobrepreço;
• As vítimas recebiam, por alguns meses, o retorno financeiro previsto ou próximo do previsto;
• O dinheiro recebido não vinha do investimento, mas de novas vítimas que passavam a integrar o esquema;
• Acreditando que era verdadeiro, as vítimas convidavam mais pessoas;
• Segundo a Justiça, nunca houve veículo algum.
O juiz José Paulo Camargo Magano, da 11ª Vara Criminal, Foro Central Criminal Barra Funda, afirmou que Alisson Alcoforado de Araújo e a ex-esposa dele Cleide Pereira de Alencar são os autores do crime.
Com a decisão, Alisson e Cleide vão ter que devolver:
• R$ 460 mil a Juliana Paes
• R$ 460 mil a Murilo Rosa
• R$ 280 mil a Luis Fabiano
• R$ 84 mil ao consultor financeiro de Juliana Paes e Murilo Rosa
• R$ 38 mil a outra vítima
A Justiça absolveu os outros quatro réus no caso com base em laudos periciais, conversas apresentadas e interrogatórios. Eles eram captadores para o negócio que acreditavam ser “sólido e real” e não teriam agido de má-fé, apontou a sentença.
Retorno de 4% a 8% ao mês
O consultor financeiro dos artistas, que também foi considerado vítima na Justiça, foi quem apresentou e recomendou o “investimento” a Murilo Rosa e Juliana Paes com a promessa de retorno de 4% a 8% ao mês. Supostamente, seriam participações em transações de compra e venda de veículos seminovos.
Os “lucros” caíram nas contas dos investidores apenas por dois meses. Todas as transferências dos atores foram para Fernando de Souza, que era réu no processo e foi absolvido.
Juliana Paes contou em juízo que seguiu os conselhos do consultor para entrar no negócio e depois foi informada por ele que tinham sofrido um golpe e perdido o valor de cerca de R$ 380 mil. A atriz não se lembrava de ter recebido o retorno prometido e não sabia sobre o tipo de negócio que era feito.
Já o ex-jogador Luis Fabiano, segundo apurado pelo g1, tratou com Fernando de Souza, que conheceu por meio de outro atleta. Luis confirmou à Justiça que o que tinha sido apresentado a ele era o negócio de compra e revenda de automóveis. A vítima recebeu por dois meses, mas tinha aplicado R$ 420 mil, sem devolução.
Já Murilo Rosa acreditou no negócio por conta do mesmo consultor financeiro de Juliana. O artista desembolsou R$ 500 mil, e teve o “retorno” de R$ 40 mil em dois meses. Rosa indagou Fernando sobre o caso, o qual alegou que também era uma vítima do esquema e que Alisson, uma pessoa até então desconhecida pelo ator, teria desaparecido com o dinheiro.
Outras vítimas contaram à Justiça que não chegaram a fazer contrato e que “foi tudo na base da confiança”. Uma delas era amiga de um dos réus, e teria sido prometido um lucro em cima de cada pessoa que conseguisse para investir. Por isso, uma das vítimas envolveu o pai, a irmã, uma amiga, a esposa e o cunhado. Tempos depois, a vítima soube que o negócio tinha “falido” e que o dono seria Alisson, o qual chegou a prometer devolução de valores.
Ao todo, foram ao menos seis testemunhas de acusação no processo. Elas detalharam que chegaram a confrontar Alisson sobre a queda do negócio, mas que ele teria os “tranquilizados” e dito que pagaria o dinheiro devido após a entrada de um novo investidor, que seria Luis Fabiano, na época. A testemunha disse que “tudo não passou de mais uma promessa, que não foi cumprida”.
O que disse o casal
Alisson contou em juízo que trabalhou por anos com venda de carros. Ele disse que teria recebido uma ligação sobre o esquema com seminovos e vendas com lucros que demorariam até 30 dias para chegar.
Contudo, não tinha dinheiro para comprar e procurou investidores para conseguir os supostos veículos. Revelou que os contratos eram informais e que devolveria o dinheiro para as vítimas.
A então mulher dele, Cleide, afirmou no interrogatório que os valores entravam em sua conta com vendas de carros, mas negou que fazia parte do esquema de Alisson e o lucro mensal. Ela teria emprestado a conta bancária para o marido.
‘Clássica pirâmide financeira’
O juiz do caso analisou as provas, depoimentos e interrogatórios e chegou à conclusão de que se tratava de uma "clássica pirâmide financeira". A estrutura oferece aos associados benefícios que dependem de novos membros.
“Quando a entrada de novos investidores diminuiu, o que impossibilitou o pagamento dos antigos investidores, o negócio ruiu, não havia carros, lojistas e nem divisão de lucro”, descreve o magistrado na sentença.
Segundo a sentença, Alisson era proprietário do esquema e responsável pela suposta intermediação com lojistas de veículos.
“Atraídos pela possibilidade de lucro e também confiantes de que se tratava de negócio real e altamente rentável, Fernando, Thiago e Patrick procuravam potenciais investidores e indicavam a terceiros”, citou o juiz.
“Operou-se uma verdadeira pirâmide financeira, cujo 'retorno' do investimento, informado como lucro, seria de montantes já obtidos junto às novas vítimas da estrutura criminosa articulada”, completou.
Sobre o casal Alisson e Cleide, a sentença aponta que o negócio não era real, “já que nada foi comprovado a respeito no processo”.
O documento aponta que o então casal se beneficiou da pirâmide e chegou a fazer viagens para o exterior. Os dois se separaram nos anos seguintes.
Com base em conversas levados ao processo e laudo pericial, a Justiça concluiu que Fernando, Patrick e Thiago eram “captadores de boa-fé”, que acreditavam no investimento.
O que dizem os absolvidos
Em nota, Edson de Menezes Silva, da defesa de Thiago Prado, informou que ele se apresentou ao Poder Judiciário "abertamente com a certeza da própria inocência".
"Vítima da maldade do sr. Alisson Alcoforado de Araújo e sua esposa perdeu todas as economias próprias e de seus pais para todo o sempre. Agora, mesmo tendo provado sua inocência, o Ministério Público do Estado de São Paulo busca a modificação da decisão judicial tão somente em busca de condenação pelo placar sem se preocupar com a verdade real."
Em nota, a defesa de Fernando Souza Silva disse que trabalhou "de forma insaciável para demonstrar a verdade dos fatos e comprovar a sua inocência"
No texto, o advogado Luiz Ferraz ainda afirma que "não foi somente o Fernando que saiu vitorioso, mas sim uma família, que sofreu com as represarias do tribunal da internet e grande mídia os quais não respeitaram seus direitos a ampla defesa e contraditório, tampouco a sua presunção de inocência."
"Deste modo, restou provada a inocência do Fernando, por um suposto crime de pirâmide financeira a qual se enquadra no crime de estelionato, previsto no artigo 171, do código penal."
Os advogados de Patrick e Leandro não foram localizados.
No ano passado, o programa Profissão Repórter mostrou como quadrilhas aplicam diferentes golpes para tirar dinheiro de suas vítimas. Veja o vídeo aqui.
Por Carlos Henrique Dias, g1 SP
Fonte: g1