As principais igrejas, de quase todos os credos (anglicanos, protestantes, católicos e evangélicos) abraçaram o recurso do Pix — o onipresente meio de pagamento que, apenas em 2023, movimentou mais de 17,2 trilhões de reais, em crescimento de 58% em relação ao ano anterior. Por óbvio, não há estatística em torno do dízimo eletrônico, segredo guardado a sete chaves, mas o uso da nova tecnologia é evidente e palpável. Quem vai à missa com frequência já se acostumou a ver QR codes em adesivos colados nos bancos e nas paredes, projetados em telões ou exibidos em transmissões feitas pelo YouTube.
A adoção do Pix faz sentido. Além de ser prático e rápido, o método reduz as chances de alguém afirmar que não tem dinheiro em espécie para fazer sua contribuição no momento da passagem da tradicional sacolinha. Em outras palavras, é mais assertivo. A velha desculpa não funciona mais.
RITO MILENAR - Oferendas no Antigo Egito: em busca de favores divinos (CM Dixon/Heritage Images/Getty Images)Durante a pandemia, líderes religiosos reclamaram que as contribuições caíram até 40%, com o fechamento compulsório das igrejas. O Pix, portanto, se transformou em uma ferramenta eficaz de retomada de proventos — como, aliás, aconteceu em outros setores da sociedade. Funciona bem, as críticas são raras, mas ao dar as mãos para a religião é natural que brotasse algum desconforto. “A doação por meio de Pix acaba nos distanciando um pouco do fiel”, diz o padre católico e psicólogo Welington Cardoso Brandão, de 57 anos, mestre em teologia moral e autor dos livros Pastoral do Dízimo e Terapia a Serviço do Dízimo. Antes do método de pagamento digital, a mesa da contribuição, na porta das igrejas, funcionava como um consultório espiritual. Ali, os fiéis se reuniam para revelar problemas pessoais e pedir orientação. O momento de troca, é verdade, tem se perdido. “E o mais relevante são as pessoas”, resume Brandão, hoje vigário do dízimo de 90 paróquias da região central da cidade de São Paulo.
O estranhamento com o código é generalizado. “Quando eu me ajoelho para rezar, dou de cara com o adesivo do Pix”, diz a advogada Tereza Franceschi. “Isso me irrita.” Ela frequenta a elegante Catedral Anglicana de São Paulo, que mantém uma rede ativa e variada de contribuições, abastecida por empresários e consumida pelos paroquianos. São almoços, festas e bingos, além de um restaurante, arrendado, onde as famílias confraternizam depois da missa. Muitos já colaboram com essas iniciativas e acham os insistentes pedidos para doação via Pix exagerados.
Saber cobrar de forma pouco intrusiva, de fato, não é tarefa fácil e requer prática. Em seus livros, o padre Brandão ensina técnicas para a reunião e formação das equipes do dízimo. “Muitos não sabiam para que servia a contribuição, por isso organizei uma formação”, diz. Hoje, essas equipes atuam tirando dúvidas dos fiéis sobre a contribuição feita e como as doações serão usadas pela paróquia.
Afinal, além do cuidado na hora de pedir, a transparência sobre o destino do dinheiro é fundamental. No cristianismo, o dízimo deixou de ser apenas uma ferramenta de barganha para tentar obter benesses divinas e tornou-se uma forma de participar ativamente da comunidade. O valor arrecadado entre os fiéis é geralmente destinado a obras sociais e ao sustento da própria paróquia, que inclui o salário do padre e contas de água e luz. “O Pix permite até que o fiel escolha qual projeto deseja ajudar”, diz a pastora protestante Romi Bencke, do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil. O fundamental, segundo os especialistas, é que a doação seja feita de boa vontade. A Bíblia deixa claro: “Cada um contribua segundo propôs seu coração, não com tristeza, nem por constrangimento, porque Deus ama quem dá com alegria”.
Publicado em VEJA de 2 de fevereiro de 2024, edição nº 2878
Por Valéria França
Fonte: veja.abril.com.br