A proposta acaba com a possibilidade de saída temporária em feriados e datas comemorativas. Por isso, um dos argumentos de estudiosos do segmento é que a medida atrapalha a ressocialização.
Para o advogado Felippe Angeli, a ausência de ações e políticas voltadas aos presos facilita o recrutamento desses detentos por facções criminosas.
"Acaba se tornando um grande auxílio às facções" pondera Angeli. "Vão sair sem a menor chance de se reintegrar na sociedade, conseguir interromper seu percurso criminal, obter independência financeira, ter autonomia no seu percurso fora do cárcere", completa o advogado.
Angeli — que representa o centro de pesquisa Justa — lembra ainda que o benefício é concedido a presos que se aproximam do fim da pena como forma de retomarem contato com a comunidade, com familiares e locais de origem afetiva.
• Levantamento de 2022 do Justa mostrou que ao passo em que estados brasileiros gastam, em média, R$ 4.389 com policiamento, gastam apenas R$ 1 por preso com políticas exclusivas para egressos.
O relator da projeto de lei no Senado, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), tem opinião diferente. Segundo ele, benefícios como esse têm colocado a “população em risco”. Além disso, as instalações carcerárias brasileiras não têm cumprido o papel de ressocializar os presos.
O texto da proposta, que já foi aprovado por uma comissão do Senado, também conta com o apoio do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que já declarou em outras ocasiões a necessidade de mudança nas leis (leia mais abaixo).
Saída apenas para estudo e trabalho
De acordo com a legislação atual, juízes podem autorizar as “saidinhas” a detentos do regime semiaberto para:
• visitas à família;
• cursos profissionalizantes, de ensino médio e de ensino superior;
• e atividades de retorno do convívio social.
O projeto, no entanto, extingue duas possibilidades — visitas e atividades de convívio social —, mantendo somente a autorização de saída temporária para estudos e trabalho externo ao sistema prisional. Sendo assim, deixariam de acontecer as saídas em feriados e datas comemorativas.
É nesse contexto que o advogado criminal Conrado Gontijo analisa o projeto como punitivo. Segundo ele, a proposta penaliza os presos que respeitam as regras e têm bom comportamento.
"O que esse projeto de lei faz é punir, porque atenta muito violentamente contra a dignidade humana que está prevista na Constituição Federal. [Pune] uma grande maioria daqueles que respeitam as suas limitações por conta de desvios que são praticados por uma minoria", afirma Gontijo, que também é doutor em direito penal econômico pela Universidade de São Paulo (USP).
Outro ponto levantado por especialistas para defender a legislação vigente tem relação com o percentual de presos que retornam ao sistema prisional.
Na saidinha de Natal de 2023, por exemplo, dos 52 mil presos beneficiados, 49 mil retornaram, ou seja, 95%. Enquanto que 2,6 mil, isto é, 5%, não voltaram.
Para Gontijo o aumento no encarceramento de presos não teve efeito negativo na criminalidade, pelo contrário.
"Essa mudança reflete um pensamento completamente equivocado e desamparado de mínimo critério técnico científico, no sentido de que a prisão pode resolver algum problema, mas não resolve. O Brasil está entre os países que mais prendem no mundo, e os índices de violência não melhoram com esse aumento no número de prisões", analisa o advogado.
Alternativas para a saidinha
Uma possível alternativa à "saidinha", segundo o advogado criminalista Berlinque Cantelmo, seria a criação de "exames criminológicos" para identificar o perfil dos detentos que possuem ligações com facções criminosas. Segundo ele, uma vez identificada a relação, esses detentos seriam impedido de usufruir do benefício.
"Deveria existir a possibilidade de diretores de unidades prisionais levantarem informações acerca da permanência desses indivíduos em subcultura delinquente, isto é, a participação efetiva em organizações criminosas ou até mesmo a manutenção do mesmo comportamento violento, do mesmo comportamento voltado à prática reiterada de crimes", sugere Cantelmo.
Debate sobre as saidinhas
O debate sobre o fim das saidinhas voltou à tona após Roger Dias da Cunha, um policial militar de Minas Gerais, ser morto por um preso que foi beneficiado com a saidinha de Natal no dia 6 de janeiro.
Welbert de Souza Fagundes cumpria pena no semiaberto. O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) foi contra a inclusão dele na lista de beneficiados pela saída de Natal por conta de um furto ocorrido durante saidinha em 2022. A Justiça, entretanto, concedeu novamente o benefício ao preso.
Após o crime, Fagundes foi preso novamente e punido com a volta ao regime fechado — a chamada regressão de pena, que ocorre quando um preso comete algum delito e perde o benefício de estar em regime semiaberto (que admite a possibilidade de estudar ou trabalhar fora da prisão) ou o em regime aberto (cumprimento de pena em prisão domiciliar ou com tornozeleira eletrônica, por exemplo).
A morte do PM levou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, a reagir e propor que o Congresso debata medidas de ressocialização de presos – caso da saidinha.
Na época, Pacheco fez uma publicação no X, antigo Twitter sobre o assunto em que disse: “Embora o papel da segurança pública seja do Executivo, e o de se fazer justiça, do Judiciário, o Congresso promoverá mudanças nas leis, reformulando e até suprimindo direitos que, a pretexto de ressocializar, estão servindo como meio para a prática de mais e mais crimes.”
Fonte: g1