Armas brancas são objetos que podem ser usados para ataque ou defesa, embora esta não seja sua finalidade principal.
O artigo 19 da Lei das Contravenções Penais (LCP), de 1941, estabelece pena de prisão ou multa para quem “trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença”. De acordo com o dispositivo, será punido quem não comunicar ou entregar a arma ou munição às autoridades, “quando a lei o determina”.
Inicialmente, a regra valia para quaisquer armas. Mais tarde, o Estatuto do Desarmamento estabeleceu penas específicas para o porte de armas de fogo. Assim, o artigo da LCP ficou restrito às demais armas.
O caso que chegou ao Supremo diz respeito a um homem detido com uma faca de cozinha em frente a uma padaria. O Ministério Público de São Paulo alegou que ele ia com frequência até o estabelecimento pedir dinheiro e ficava revoltado e agressivo quando não lhe davam.
Após a abordagem da Polícia Militar, o homem foi condenado em primeira instância ao pagamento de 15 dias-multa, com base no artigo 19 da LCP. A Turma Criminal do Colégio Recursal de Marília (SP) manteve a decisão.
A Defensoria Pública de São Paulo, que representa o réu, acionou o STF e apontou a falta de regulamentação exigida pelo próprio artigo 19 da LCP para sua aplicação. Por isso, argumentou que o homem não poderia ser penalizado pelo porte de arma branca.
Voto do relator
Até o momento, somente o relator, ministro Luiz Edson Fachin, apresentou seu voto. Ele votou por cancelar o tema de repercussão geral, após descobrir que o governo federal tem movimentações para regulamentar o porte de arma branca.
No caso concreto, ele reconheceu a impossibilidade de aplicação do artigo 19 da LCP até que haja regulamentação. Por isso, absolveu o recorrente.
Fachin lembrou do inciso XXXIX da Constituição, segundo o qual “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Esse é o chamado princípio da legalidade.
Na visão do magistrado, “uma norma só pode ser considerada uma lei quando traça com precisão a conduta que quer disciplinar, a fim de que o cidadão possa por ela se orientar”. De acordo com ele, “normas genéricas e imprecisas favorecem indesejadas arbitrariedades” do Judiciário.
Para o relator, a redação do artigo 19 da LCP não foi clara e trouxe dúvidas. De acordo com Fachin, o texto do artigo não pode ser concretizado sem a regulamentação, devido à sua “abertura semântica”.
Ele ressaltou que é necessária uma complementação, para definir o conceito de arma, explicar no que consiste a autorização da autoridade e estabelecer a competência para tal autorização.
Segundo o ministro, a redação atual pode remeter ao uso de armas brancas “nas mais diversas finalidades”: desde facas ou outros instrumentos cortantes usados na pesca, na caça, na criação de animais e no cultivo de plantas; até um soco inglês, geralmente usado para agredir pessoas, mas também carregado por seguranças de casas noturnas.
Em resumo, são “incalculáveis os objetos do cotidiano” que podem ser usados como armas, “pela potencialidade de atentarem contra a integridade física”.
Enquanto não há definição, é possível apenas “o exame individualizado da conduta, mediante alto grau de subjetivização”. Para Fachin, o Estado não pode “exigir algo sem que institua as condições para que as exigências sejam atendidas”.
Ele ainda destacou que a regulamentação da contravenção penal só pode ser feita pela União, que, conforme a Constituição, tem competência exclusiva para legislar sobre Direito Penal e Processual Penal.
No último ano, o Ministério da Justiça e Segurança Pública informou ao relator que elaborou uma proposta de minuta de decreto para regulamentar o artigo 19 da LCP. O texto foi encaminhado para a Casa Civil, e lá tramita desde então.
Tendo em vista essa proposta e o fato de que o STF ainda não analisou o mérito do tema, Fachin propôs retirar o caso da sistemática da repercussão geral e analisou apenas o caso concreto.
Na interpretação do ministro, a narrativa do MP-SP “não é suficiente para promover a imputação contravencional” ao recorrente. Segundo ele, mesmo se fosse possível dizer que a faca tinha potencial para ser usada como arma, essa leitura dos fatos “alça um nível de insegurança quiçá arbitrário e excessivo, o que é inaceitável para os padrões da legalidade e taxatividade penal”.
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ARE 901.623
Por José Higídio
Fonte: ConJur