O dependente químico, que atualmente tem 25 anos, foi condenado em dezembro de 2022 pelo PCC por um suposto furto cometido na região da Cracolândia, no centro da capital paulista, área dominada pela facção. A prática desse tipo de delito é duramente punida pelo crime organizado porque atrai possíveis ações policiais na região e coloca em risco sua principal fonte de renda, que é o tráfico de drogas.
O usuário “sentenciado” tinha recaído no uso de crack após sair de uma clínica de reabilitação, na Grande São Paulo, sob o compromisso de passar o Natal com familiares. O rapaz, no entanto, saiu de Itapecerica da Serra e foi direto para a Cracolândia. Lá, teria voltado a consumir drogas e praticou o furto para custear o vício.
O crime, considerado leve pela legislação penal brasileira, é punido com severidade pelo PCC, especialmente por ter sido praticado em área estratégica, a Cracolândia, onde a desobediências às regras da facção pode custar a vida do infrator.
Remoção ou morte
O Metrópoles apurou que uma advogada, casada com um suspeito de ser “disciplina” do PCC, decidiu intervir a favor do rapaz durante a sentença. Ela propôs que o rapaz, em vez de ser morto, fosse reencaminhado para a clínica de reabilitação de onde havia saído. A “pena alternativa” acabou acatada pelo “júri” da facção.
O tribunal do crime teria ocorrido em um estacionamento, ao lado de um “hotel do PCC”, como o local é conhecido pelos usuários de drogas, na Alameda Barão de Piracicaba.
Ainda segundo apurado pela reportagem, o usuário foi julgado “à revelia”, ou seja, sem estar presente. Após a sentença e o “acordo” para a internação compulsória, ele foi procurado no fluxo, de onde saiu amarrado.
O usuário de drogas foi entregue a dois funcionários da clínica de reabilitação, onde fazia o tratamento antes da recaída. Ambos o levaram ao mesmo estacionamento onde havia ocorrido o “julgamento”. Isso chamou a atenção de uma testemunha, que ligou para a Polícia Militar, logo após avistar o rapaz com as mãos amarradas.
Policiais do 13º Batalhão chegaram ao local e flagraram o jovem, de fato amarrado, dentro de um carro. Ele estava acompanhado pelos dois funcionários da clínica. Todos foram levados para o 2º DP (Bom Retiro), onde a vítima e os profissionais da saúde explicaram a situação.
Relatos
Onildo de Sousa, que trabalha na clínica de reabilitação da Grande São Paulo, afirmou em depoimento, obtido pelo Metrópoles, que o rapaz saiu do local, em 24 de dezembro de 2022, para passar o Natal com familiares. Ele deveria retornar no dia seguinte à clínica, onde estava em tratamento havia oito meses.
Diferentemente do combinado, ainda de acordo com o depoimento, o dependente químico não retornou e, no dia 27, uma mulher, que seria a companheira do disciplina do PCC, ligou para a clínica afirmando que o dependente havia recaído no uso de drogas, estava na Cracolândia e que “corria risco de vida, já que estava jurado de morte”.
Os profissionais da saúde não tinham ciência de que o chamado feito para a remoção do rapaz havia sido feito pelo crime organizado.
O rapaz não queria ser internado, mas foi amarrado no fluxo e entregue aos profissionais da saúde, no início da madrugada do dia 28.
Após a intervenção policial e o registro do caso no 2º DP, porém, ele decidiu voltar à clínica e seguir com seu tratamento.
Megaoperação
A Polícia Civil deflagrou, na manhã desta quinta-feira (13/6), uma megaoperação na região da Cracolândia com o objetivo de desmantelar hotéis e pensões usados pelo PCC para operar o tráfico de drogas local. Os estabelecimentos também são usados para a realização dos “tribunais do crime”.
Investigações do Departamento de Investigações sobre Narcóticos (Denarc) mostram que a Cracolândia se mantém, apesar de um longo histórico de investidas policiais e de outros órgãos do poder público, em decorrência dessa “rede hoteleira”, chamada de hospedarias pela polícia, que são usadas como depósito de drogas da facção.
Do total de 140 mandados de busca e apreensão expedidos pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), a pedido da Polícia Civil, 90 miram os hotéis e pensões que ficam no entorno do fluxo de usuários de drogas.
As cargas de entorpecentes, segundo a investigação, são escondidas de forma fragmentada em quartos de difícil localização e, em alguns casos, clandestinos.
Até a publicação desta reportagem, ao menos 14 suspeitos haviam sido presos, de acordo com dados preliminares da polícia.
Por Alfredo Henrique
Fonte: metropoles.com