O acórdão da decisão foi publicado no último dia 22, mas a decisão só se tornou pública nesta terça-feira (28). O homem foi denunciado pelo MP-AL (Ministério Público de Alagoas) por injúria racial (crime equiparado agora ao racismo), e a ação penal foi aceita na Vara de Coruripe (AL) no início deste ano.
Para o Ineg, a acusação adotou como tese o "racismo reverso", algo que não existe previsão no direito brasileiro. A entidade vai recorrer da decisão ao STJ (Superior Tribunal de Justiça).
O desembargador João Luiz Azevedo Lessa, relator do processo, alegou que tribunais superiores já teriam definido que o instrumento habeas corpus não deve ser usado para "reconhecer a ausência de dolo específico da conduta".
Sobre o argumento do Ineg de que não haveria tipo criminal para o chamado "racismo reverso", o relator refutou a tese e citou que o MP-AL também deu parecer favorável, defendendo o seguimento da ação penal.
"Importante ressaltar que o crime em questão pode ser cometido contra qualquer pessoa, independentemente da sua cor, raça ou etnia, caracterizando-se por ofender a dignidade de alguém. Nessa esteira, a Lei protege integralmente, independente de sua origem étnica, desse modo, sem razão a referida alegação." — João Luiz Azevedo Lessa
Para Azevedo, "há suporte probatório mínimo" para uma ação penal, e caberá agora à instrução criminal "dirimir quaisquer dúvidas acerca da sua configuração."
"Vale esclarecer que não se está a emitir qualquer juízo de certeza quanto ao envolvimento do paciente no fato narrado, mas apenas afirmando que há indícios suficientes de autoria e materialidade a autorizar o prosseguimento da ação penal." — João Luiz Azevedo Lessa
Interpretação seria errada
A decisão do TJ-AL surpreendeu o Ineg, que em nota alegou ver "uma grave distorção da lei que deveria coibir o racismo no Brasil."
A entidade cita que o artigo 20-C da Lei nº 14.532/2023 estabelece que o juiz deve considerar como discriminatória "atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários", no caso, levanto em conta uma ação que "usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência."
A lei citada tipifica a injúria racial ao crime de racismo, o que tornou a ação penal pública — ou seja, só o MP pode denunciar um suspeito.
"A gente recebe com um pouco de perplexidade, não acreditávamos que chegaria a tanto. Nossos argumentos são totalmente aplicáveis para o caso e é um absurdo e frágil essa denúncia. Já existe um embasamento acadêmico bem estabelecido do de que não existe racismo reverso, mas nem sempre o poder judiciário consegue acompanhar esse debates." — Pedro Gomes, coordenador do Núcleo de Advocacia Racial do Ineg
Além da crítica a tipificação, o instituto alega que faltam provas para o prosseguimento da ação penal, já que ela seria baseada apenas em prints de conversas de Whatsapp.
Consultado pela coluna, o professor de direito penal da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), Welton Roberto, também discorda da decisão do TJ-AL e diz acreditar que o STJ vai reverter o caso.
"O fato dele ter xingado um branco europeu não configura crime de injúria racial, porque a lei foi feita para proteger exatamente as minorias, e o branco não é minoria, e o europeu é o colonizador deste país. Eles estão confundindo que um crime pode ser cometido por qualquer pessoa, que é a injúria simples, com a injúria racial." — Welton Roberto
Entenda a denúncia
Para a promotora Hylza Paiva Torres de Castro, que fez a denúncia, o homem negro teria praticado "crime de injúria racial" contra um homem italiano que era casado com sua tia.
Segundo o relato, a partir de fevereiro de 2023, o homem negro teve uma discussão com o italiano, e entre as frases dias, uma foi interpretada pelo MP como "injúria racial", após ele falar que "essa cabeça branca, europeia e escravagista não deixava enxergar nada além dele mesmo".
Por Carlos Madeiro
Fonte: UOL