Advogado de jovem autista baleado por policial pede que outra delegacia investigue o caso para garantir imparcialidade

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Via @jornaloglobo | Um jovem de 30 anos, que segundo seus familiares apresenta espectro autista, foi baleado por um policial civil durante uma abordagem em Magé, na Baixada Fluminense, na quarta-feira. Ele segue internado no Hospital Geral Adão Pereira Nunes, em Saracuruna, Duque de Caxias, com o projétil alojado na perna. Um dos agentes alegou, ao prestar depoimento, ter feito o disparo em direção ao chão, porque o rapaz estaria com um pedaço de madeira nas mãos e teria realizado um movimento para o atingir. O advogado da família nega a versão e pede que a apuração passe para outra delegacia para que a imparcialidade seja garantida. O caso começou a ser investigado pela 66ª DP (Piabetá), a mesma em que policiais da abordagem trabalham, afirma ele.

— Foram três policiais na abordagem: uma inspetora mulher, o policial que efetuou o disparo e outro, que foi quem fez o registro de ocorrência. Eles são todos da mesma delegacia. Vemos que foi montada uma narrativa para justificar a injusta agressão que o rapaz sofreu. Acionamos a Comissão de Direitos Humanos da Alerj para acompanhar o caso e estamos pedindo para que a investigação saia dessa delegacia — diz Anderson Ribeiro, advogado da família, acrescentando: — Acreditamos que, se continuar lá, vai ser uma investigação parcial. Como a delegacia dos policiais que estiveram na ocorrência vai ser a mesma a investigar? Não faz muito sentido. Então, a gente está querendo que a investigação passe para outra unidade policial ou para o Ministério Público, para que não haja interferência. Essa é a nossa principal preocupação.

O advogado afirma que a polícia dificultou o acesso ao boletim de ocorrência. Os familiares só conseguiram ver uma cópia do documento após ele conversar pessoalmente com a delegada da 66ª DP (Piabetá).

— No primeiro momento, o policial que fez o registro da ocorrência não quis dar uma cópia para a família. Uma inspetora também se negou a dar cópia do boletim para mim, alegando que era sigiloso. Só depois que falei com a delegada é que me entregaram. Entendemos que existe uma blindagem ali — ressalta Ribeiro.

O advogado diz que já acionou o Ministério Público e a Comissão de Direitos Humanos da Alerj para acompanhar o caso. O rapaz teria se assustado com a presença de uma viatura policial e correu. Ele foi perseguido pelos agentes e um tiro acertou sua coxa, causando fratura exposta do fêmur de uma das pernas. Segundo Ribeiro, duas testemunhas já conversaram com a família e afirmaram que presenciaram o incidente. Uma delas, inclusive, está disposta a prestar depoimento.

— Uma das testemunhas falou que viu tudo. O rapaz se assustou com a viatura e correu. A polícia foi atrás dele e efetuou o disparo contra ele. Os populares, incluindo a testemunha e seu filho, gritaram e avisaram que ele era autista. Segundo a narrativa da testemunha, os policiais estavam com a arma apontada para a cabeça dele e ela acredita que, se não houvesse a intervenção dos populares, poderia ter acontecido algo pior — relata o advogado, que desmente a versão apresentada pelos policiais: — Em nenhum momento, ele pegou um pedaço de pau. Essa foi uma narrativa montada para justificar o disparo da arma de fogo.

O caso aconteceu no Bairro Parque dos Artistas. Segundo familiares, a vítima estava a caminho da casa de uma irmã, quando um carro da Polícia Civil se aproximou. Assustado, ele correu, sendo perseguido. O jovem teria entrado em um terreno onde foi baleado por um dos policiais. Em nota, a Polícia Civil disse que a vítima foi ferida por estilhaço. A família disse que ele não é agressivo e alegou não acreditar na versão de que o rapaz encurralou o policial com um pedaço de madeira.

— Ele tem 30 anos, mas sua idade mental é de uma criança. Todo mundo no bairro o conhece. Não tem histórico agressivo e sempre foi dócil e simpático com todos. Ele correu porque ficou assustado. Poderiam até ter o imobilizado, mas deram tiro. Agora, está com pinos na perna, lá no hospital — afirmou um familiar.

Na 66ª DP (Piabetá), o caso foi registrado como lesão corporal. Três policiais estariam no carro, e segundo disseram em depoimento, estavam no local tentando cumprir um mandado de prisão expedido pela Justiça em nome de outra pessoa. Após o rapaz ser ferido por um tiro, ele foi socorrido por uma ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência e, inicialmente, levado para ser socorrido na Unidade de Pronto Atendimento de Piabetá. No momento, ele está internado no Hospital Geral Adão Pereira Nunes, onde foi submetido a uma cirurgia.

— O rapaz ainda está com o projétil alojado e vai passar por uma nova cirurgia na terça-feira. A bala ficou próxima à veia femoral, então há um risco. Se a veia tivesse rompido, ele poderia ter vindo a óbito — ressaltou o advogado Anderson Ribeiro.

O rapaz está lúcido, e o seu estado de saúde é estável. No entanto, está muito abalado.

— Ele está extremamente amedrontado, não quer ficar em nenhum momento sozinho no quarto do hospital. Acha que vai entrar um policial e fazer alguma coisa com ele. Ele é adulto, mas tem a mentalidade infantil. Não consegue entender muito bem porque fizeram isso com ele, se questiona o tempo inteiro e diz que não fez nada de errado. Não está conseguindo dormir direito à noite por medo. Os familiares estão se revezando para ficar com ele — destaca o advogado.

Segundo a Polícia Civil, a corregedoria da corporação foi comunicada e acompanha a investigação. A pasta afirma que o registro de ocorrência não foi feito pelo policial que realizou o disparo e que ele não participa da investigação.

"O caso é investigado pela 66ª DP (Piabetá). De acordo com os agentes envolvidos na ação, durante uma abordagem, o homem correu e encurralou um policial civil, que, para resguardar sua segurança e integridade física, realizou um disparo de arma de fogo na direção do solo, na tentativa de repelir a possível agressão. Um estilhaço feriu a perna do homem. Imediatamente, ele foi socorrido pelos agentes, que acionaram o Samu, e encaminhado para um hospital da região. O registro de ocorrência não foi feito pelo policial que realizou o disparo e ele não participa da investigação. O agente foi ouvido e diligências estão em andamento para apurar os fatos. A Corregedoria-Geral de Polícia Civil (CGPOL) foi comunicada e acompanha a investigação", diz a nota completa da Polícia Civil.

Por Isabella Cardoso
Fonte: oglobo.globo.com

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