Por conta de como foi estruturado, o Supremo Tribunal Federal (STF), em um primeiro momento, considerando o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, o qual preceitua que, uma conduta, para ser considerada infração penal (crime ou contravenção penal), necessita ter pena privativa de liberdade (reclusão, detenção ou prisão simples), entendeu que houve despenalização do art. 28 da Lei nº 11.343/06. Tal despenalização seria, em apertada síntese, uma substituição da pena privativa de liberdade por outras formas punitivas, a exemplo de penas restritivas de liberdade, contudo, as condutas se mantinham como sendo criminosas.
Após a análise de despenalização do porte de drogas para consumo pessoal, a jurisprudência dos Tribunais Superiores começou a reconhecer que sentenças condenatórias pelo art. 28 da Lei de Drogas não mais gerariam reincidência, trazendo um menor rigor a quem praticasse tal tipo penal.
Entretanto, o STF, no Recurso Extraordinário 635.659, com repercussão geral (Tema 506), decidiu, por maioria (6 a 5), que a conduta estabelecida no art. 28 da Lei de Drogas (porte de drogas para consumo pessoal), quando referente à substância cannabis sativa, não seria mais considerada crime. Ademais, neste mesmo julgamento, estabeleceu que presumir-se-á usuário quem adquirir, guardar, depositar ou transportar até 40 (quarenta) gramas ou 6 (seis) plantas fêmeas da supracitada droga.
Sob tal perspectiva, segundo a nossa Suprema Corte, ocorreu a descriminalização do art. 28 da Lei nº 11.343/06, no tocante à substância cannabis sativa (maconha), sendo, a partir de 26/06/2024, caracterizado como uma infração administrativa, com as sanções expressas nos incisos I e III, do supracitado artigo, quais sejam: advertência sobre os efeitos das drogas e obrigação de frequentar cursos educativos. No que concerne à antiga sanção estabelecida no inciso II, também do supramencionado artigo (prestação de serviços à comunidade), houve o seu cancelamento.
Imperioso destacar que o STF apenas discutiu acerca da descriminalização do porte de cannabis sativa para consumo pessoal. Neste contexto, todas as outras substâncias declaradas, pela ANVISA, na portaria 344, como drogas ilícitas, ainda que estejam enquadradas no art. 28 da Lei de Drogas, serão consideradas condutas criminosas, e não ilícitos administrativos, como no caso do porte de maconha para consumo pessoal.
Além disso, será de competência dos Juizados Especiais Criminais o processo e julgamento dos agentes enquadrados no ilícito administrativo de porte de maconha para consumo pessoal, não devendo ser, nestes casos, atribuídos quaisquer efeitos penais em suas sentenças.
Ainda que o Supremo tenha fixado um parâmetro quantitativo para presumir consumo pessoal (40 gramas ou 6 plantas fêmeas de maconha), tal presunção é relativa, podendo, a depender do contexto, ser afastada. Assim, a polícia está autorizada a apreender a droga e efetivar a condução do agente à delegacia, mesmo com quantidades menores do que as supracitadas, sobretudo, quando houver elementos que possam apontar um possível tráfico de drogas, a exemplo de balanças ou invólucros de drogas, devendo, a autoridade policial, justificar, de forma minuciosa, as razões que possam afastar a presunção de porte para consumo próprio. Ademais, o juiz da audiência de custódia deve avaliar se as razões trazidas pelo delegado são plausíveis e, caso discorde, deve imediatamente conceder a liberdade ao agente.
Sob tal enfoque, faz-se imperioso perceber que não houve a legalização das drogas no Brasil, mas apenas a descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal, o que não ocorreu com as outras drogas ilícitas. Neste contexto, para alguns, houve um exponencial avanço pela forma objetiva de aferição, contudo, para outros, o que se percebe é uma latente impunidade. Desta forma, muito ainda precisa ser debatido acerca dessa temática para se chegar a uma conclusão coesa e, por consequência, uma maior segurança jurídica ao ordenamento jurídico-penal brasileiro.
Para fins de uma melhor elucidação, importante destacar as diferenças entre a legalização, a despenalização e a descriminalização:
Legalização | • Fato insuscetível de qualquer sanção penal ou administrativa. • Não houve, em momento algum, a legalização das drogas no Brasil. |
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Despenalização | • Substituição da pena privativa de liberdade por outras formas punitivas, a exemplo de penas restritivas de liberdade, contudo, as condutas se mantinham como sendo criminosas. • Em um primeiro momento, o STF entendeu que houve despenalização do art. 28 da Lei nº 11.343/06. À exceção maconha, o porte de quaisquer outras drogas ilícitas, ainda que para consumo pessoal, será considerado crime, mantendo-se, neste último caso, a ideia de despenalização. |
Descriminalização | • Torna a conduta irrelevante para o Direito Penal, deixando de ser uma infração penal, mas podendo sofrer sanções administrativas. • O STF, no Recurso Extraordinário 635.659, com repercussão geral (Tema 506), decidiu, por maioria, que houve a descriminalização do art. 28 da Lei nº 11.343/06, quando referente à substância cannabis sativa (maconha). |
Por fim, sintetizando as informações acerca do porte de drogas para consumo próprio (art. 28 da Lei nº 11.343/06), temos:
a) As condutas expressas no art. 28 da Lei de Drogas (adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo), quando referente à substância cannabis sativa (maconha), não são mais consideradas como infração penal, mas apenas infração administrativa (DESCRIMINALIZAÇÃO), entretanto, quanto ao porte de quaisquer outras drogas ilícitas para consumo pessoal, será considerado crime (DESPENALIZAÇÃO);
b) Em relação ao porte de maconha para consumo pessoal, as sanções expressas nos incisos I e III, do supracitado artigo (advertência sobre os efeitos das drogas e obrigação de frequentar cursos educativos), de caráter meramente administrativo, serão mantidas, entretanto, concerne à antiga sanção estabelecida no inciso II, também do supramencionado artigo (prestação de serviços à comunidade), houve o seu cancelamento;
c) Fixou-se um parâmetro quantitativo para presumir consumo pessoal (40 gramas de cannabis sativa ou 6 plantas fêmeas). Assim presumir-se-á usuário quem adquirir, guardar, depositar ou transportar até 40 (quarenta) gramas de maconha ou 6 (seis) plantas fêmeas, sendo tal presunção relativa, podendo, a depender do contexto, ser afastada;
d) Mesmo após o julgamento pelo STF, não houve legalização de nenhuma droga, mantendo-se com a ANVISA, através da portaria 344, a competência para enunciar quais as substâncias que são consideradas drogas ilícitas;
e) A polícia está autorizada a apreender a droga e efetivar a condução do agente à delegacia, mesmo com quantidades menores do que as supracitadas, sobretudo, quando houver elementos que possam apontar um possível tráfico de drogas, a exemplo de balanças ou invólucros de drogas, devendo, a autoridade policial, justificar, de forma minuciosa, as razões que possam afastar a presunção de porte para consumo próprio;
f) O juiz da audiência de custódia deve avaliar se as razões trazidas pelo delegado são plausíveis e, caso entenda que a conduta do agente é hipótese de porte de drogas para consumo pessoal, deve imediatamente conceder a liberdade ao agente.
g) Será de competência dos Juizados Especiais Criminais o processo e julgamento dos agentes enquadrados no ilícito administrativo de porte de maconha para consumo pessoal, não devendo ser, nestes casos, atribuídos quaisquer efeitos penais em suas sentenças.
h) O STF fez um apelo tanto ao Poder Executivo quanto ao Poder Legislativo para que adotem medidas administrativas e legislativas para o aprimoramento das políticas públicas de tratamento aos dependentes;
i) O Conselho Nacional de Justiça, com a participação das Defensorias Públicas, fará mutirões para apuração e correção de prisões decretadas em desacordo com os parâmetros estabelecidos.
Por Wilson Alvares de Lima Júnior (@wilsonalj) – Advogado criminalista de sucessões, professor de Direito Penal e de Direito Processual Penal, Especialista e Mestre em Direito Penal, Presidente da Comissão de Estudos de Direito Penal e de Direito Processual Penal da Abracrim/PE, autor do livro Adequação Social e Imputação Objetiva: da epistemologia do finalismo ao giro do funcionalismo.