Via @metropoles | Os bancos são o setor mais visado pelo que se chama de “advocacia predatória” na Justiça — processos movidos em massa nos tribunais, normalmente a partir de fraudes de advogados contra pessoas que eles dizem representar, em busca de ganhos ilícitos com as ações. Em boa parte dos casos, com procurações fajutas apresentadas pelos advogados, os supostos clientes sequer sabem que são autores dessas ações artificiais e não desejam processar ninguém.
Segundo um levantamento do escritório Dias Costa Advogados, que aponta a liderança dos bancos entre os principais alvos da litigância predatória, as companhias aéreas vêm em seguida como as mais acionadas. “São os dois segmentos mais atacados pela advocacia predatória: 85% são concentrados em instituições financeiras e os outros 15%, no setor aéreo”, disse o advogado Walter Moraes, sócio do escritório.
A pesquisa registrou que 3,4 milhões de ações judiciais em primeira e segunda instância miraram empresas dos setores financeiro e aéreo, entre 2020 e 2023. O escritório estimou que, do total, 1,1 milhão sejam processos predatórios.
O número foi calculado com base em uma nota técnica do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, segundo a qual têm caráter predatório cerca de 30% das ações na Justiça estadual que pedem inexistência de débitos ou revisão de contratos bancários.
Com base em um custo de R$ 8,9 mil para a tramitação dos processos na esfera estadual, também estimado pelo Centro de Inteligência da Justiça de Minas Gerais, o estudo do escritório aponta um potencial prejuízo ao Judiciário de R$ 9,1 bilhões nesses quatro anos com a advocacia predatória.
Segundo o levantamento, os bancos que mais são alvos desse tipo de ação ilegal são Bradesco, com uma estimativa de 240 mil ações entre 2020 e 2023; Caixa Econômica Federal, com 228 mil; e BMG, com 87 mil. Gol (50 mil), Latam (46 mil) e Azul (45 mil) são as companhias aéreas mais visadas. Os estados que mais concentram esses processos são São Paulo (206 mil), Distrito Federal (172 mil), Minas Gerais (89 mil) e Rio de Janeiro (88 mil).
As ações da advocacia predatória têm características formais em comum. Normalmente, os processos são apresentados em nome de pessoas analfabetas, semianalfabetas e com pouca instrução e beneficiários do INSS para questionar a existência de empréstimos consignados ou cobranças de tarifas bancárias. Não raro, as ações pedem indenização por danos morais.
Os documentos e procurações apresentados pelos advogados fraudadores costumam ser genéricos e idênticos em diversas ações, trocando somente o nome dos supostos clientes. O padrão também inclui pedidos rechaçando eventual conciliação e solicitação por gratuidade de justiça.
Em um dos casos do gênero contra o Bradesco, movido em Santa Quitéria, interior do Maranhão, um homem que aparecia como autor do processo disse em uma audiência que não sabia da ação, não conhecia o advogado que o “representava” nem as pessoas que haviam assinado a procuração. Ele negou ter problemas com o banco e confirmou ter feito empréstimos consignados.
Ao decidir o processo, o juiz da cidade apontou “nítida captação ilícita de clientela” pelo advogado, além de “ausência de consentimento livre e esclarecido do suposto cliente no ingresso das ações, abuso do direito de ação, irregularidade na confecção das procurações e ausência de litígio real entre os envolvidos”.
Um outro caso rejeitado pela Justiça contra o Bradesco, em Porto (PI), foi protocolado em junho de 2023, seis meses depois da morte da suposta autora da ação, uma mulher que aparecia no processo pedindo a devolução de valores pagos indevidamente ao banco e indenização por danos morais.
No interior de Minas Gerais, em Ponte Nova (MG), um juiz barrou uma ação contra o banco BMG que questionava um empréstimo consignado. Nesse caso, o banco comprovou ter havido empréstimo, o suposto autor da ação também negou conhecer o advogado e disse desconhecer o processo. A ação chegou à segunda instância, no TJMG, que manteve a decisão da primeira instância.
Para conter a advocacia predatória na Justiça, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou entre 2020 e 2021, na gestão do ministro Luiz Fux, o Centro de Inteligência do Poder Judiciário e uma rede de centros de inteligência nos Tribunais de Justiça estaduais, Tribunais Regionais Federais e Tribunais Regionais do Trabalho. Cabe a esses centros identificar esse tipo de ação.
Por Guilherme Amado e João Pedroso de Campos
Fonte: metropoles.com