“Os atos praticados pelo obreiro revelam flagrante assédio sexual, de relevante gravidade, que devem ser coibidos com proporcional resposta, ou seja, o término do liame por justo motivo”, anotou a desembargadora Tânia Magnani de Abreu Braga, relatora do recurso. Ela adotou em seu voto o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, do Conselho Nacional de Justiça.
Editado em 2021, o protocolo objetiva o direito à igualdade e à não discriminação de todas as pessoas, de modo que o exercício da função jurisdicional concretize o papel de não repetição de estereótipos, de não perpetuação de diferenças. Desse modo, o documento do CNJ propõe a ruptura com culturas de discriminação e de preconceitos, chamadas por Tânia de “questões estruturais arraigadas na sociedade”.
Razões recursais
Inconformado com a demissão por justa causa, o gerente ajuizou reclamação trabalhista. A juíza Lígia Mello Araújo Olivieri, da 14ª Vara do Trabalho de Salvador, observou na sentença que a filmagem de câmeras do supermercado juntada aos autos não mostra por parte da subordinada “qualquer gesto ou ato de rechaço ou, mesmo a tentativa de repelir a aproximação do reclamante na sua esfera íntima”. O vídeo não tem áudio.
Contudo, ao julgar improcedente a demanda e reconhecer a justa causa no desligamento do gerente por “mau comportamento”, Lígia Olivieri destacou que ele próprio confessou em juízo o assédio sexual à colega, atribuindo a sua conduta a “uma coisa de momento”. Segundo o depoimento do réu, logo após o beijo, ele pediu desculpas à subordinada e admitiu que “estava no erro”.
O homem alegou no recurso a desproporcionalidade da demissão por justa causa, após 11 anos e seis meses de vínculo, porque “jamais existiu qualquer falta grave”. Ele minimizou o vídeo juntado pelo supermercado, com o argumento de que as imagens das câmeras são insuficientes para comprovar a sua alegada má conduta, não havendo qualquer outro documento comprobatório da suposta infração funcional.
Acórdão
Para a relatora, porém, há “prova robusta” para a demissão por justa causa e ela não deriva apenas da confissão do próprio recorrente ao admitir a conduta configuradora de assédio moral contra a colega. Invocando o protocolo do CNJ, a julgadora afirmou que o fato de a colaboradora supostamente não repelir ato do gerente e perdoá-lo em seguida não pode ser interpretado como consentimento, mas fator a reforçar a sua subordinação ao chefe.
“Eventual menção da vítima de que ‘estava tudo ok’ não se afigura suficiente para invalidar a sanção, justamente em razão da posição hierárquica em que ela se encontrava em relação ao assediador”, concluiu Tânia Braga. Os desembargadores Paulino César Martins Ribeiro do Couto e Luís Carlos Gomes Carneiro Filho acompanharam o voto da relatora.
Processo 0000481-23.2021.5.05.0014
Por Eduardo Velozo Fuccia
Fonte: ConJur