O caso aconteceu em 25 de julho e a denúncia foi realizada pelo médico urologista que faria o procedimento cirúrgico. O médico afirma ter visto o técnico com o celular na mão fotografando a mulher sem roupas.
Após o procedimento, o médico procurou a direção da unidade para denunciar o episódio. A vítima foi comunicada do fato 8 dias após a alta médica.
A paciente estava anestesiada antes de uma pieloplastia – um procedimento no canal que liga os rins à bexiga. Por isso, ela estava em posição de litotomia, ou seja, com as pernas para cima.
O suspeito nega as acusações. Em depoimento à polícia, ele afirmou que pegou o telefone celular para “procurar sinal” e “já estava em ligação” quando foi acusado pelo médico. Ao g1, disse que estava com o aplicativo de foto para mandar uma selfie para enviar à esposa.
Paciente sedada
O portal G teve acesso a depoimentos e documentos do caso e ao relato do médico que denunciou o fato. O urologista contou que havia saído da sala de cirurgia e, ao voltar, viu, “atrás do vidro da porta, o técnico com o aparelho de celular na mão e a câmera do celular ligada fotografando a parte íntima da paciente que se encontrava exposta”.
O médico afirmou que o “evento foi visualizado com bastante clareza” e que, em seguida, perguntou ao técnico “se ele estava fotografando a paciente”. Segundo o urologista, o técnico “negou de forma enérgica”.
Ainda segundo o médico, mesmo após ter confrontado o técnico de enfermagem, o suspeito voltou a “disparar a foto da câmera outra vez”.
O urologista afirmou que finalizou a cirurgia e, após o procedimento, foi até seu chefe, relatou o fato e seguiu para a direção do hospital. Lá, registrou um relato de ocorrência e comunicou à chefia da enfermagem. No dia seguinte, 26 de agosto, a paciente recebeu alta médica e foi embora.
Três dias após o relato do médico, a Coordenação de Enfermagem do local fez uma comunicação interna para a Divisão de Enfermagem “para providências cabíveis” contra o suspeito.
No documento, a chefe destaca: “no ápice do fato, não tivemos a oportunidade de ver o celular do funcionário, pois ficamos perplexos com a atitude”.
No relatório, a coordenadora da enfermagem escreveu que estava indignada com o fato e escreveu que era “de bom tom para o serviço e a instituição não ter um profissional deste” trabalhando no Cardoso Fontes.
Após o relatório, houve uma reunião entre chefes da unidade de saúde que decidiram contar sobre o ocorrido para a vítima. Porém, o técnico não foi suspenso de suas atividades e segue trabalhando.
“Só soube chorar e me desesperar”, diz vítima
A vítima, que é agente de saúde, está abalada com a situação. Ao g1, ela relatou que se tratava no hospital havia anos – por conta de uma má formação genética – e aquela era a 3ª cirurgia que fazia.
A mulher critica o fato do técnico são ter sido demitido, bem como a demora da direção do hospital em avisá-la.
“Eu já tinha feito procedimentos lá e nunca tive problemas. Continuamos o acompanhamento e precisei retornar para fazer esse novo procedimento. Fui ao centro cirúrgico, tudo normal, correndo dentro do esperado e, chegando no centro cirúrgico, eles me falaram que eu iria dormir o processo inteiro. Todo o procedimento, até então, normal. Dormi o processo todo e no outro dia eu acordei”, relembra a mulher.
No dia seguinte, nenhum comentário sobre o ocorrido.
“Passei pela vistoria médica de manhã, onde ele me relatou que estava tudo bem, que tinha sido tudo dentro do normal. Não me passaram nenhum tipo de informação [sobre o caso]. Recebi alta e fui embora. Oito dias depois, de manhã, eu recebo uma ligação pedindo para ir ao hospital. Eu, meio atordoada e ainda não entendendo o porquê, pensei que fosse algo sério que estava acontecendo e que eu poderia estar em risco. Fui lá com a minha filha. Chegando lá fui recepcionada por várias pessoas, dentre elas médicas, enfermeiras, onde me foi passado o caso.”
A partir daí, a paciente conta que sua vida virou de cabeça para baixo. Mãe de quatro filhos e avó de uma neta de 2 anos, ela diz que só chora e só consegue dormir à base de remédios.
“Meu chão se abriu totalmente. [E eu fiquei] sem entender o porquê de aquilo estar acontecendo. […] Todo dia eu fico tentando buscar imagens na minha cabeça, tentando saber o porquê isso aconteceu”, relata a mulher.
“Na mesma hora, você não se sente uma vítima. Você se sente culpada pelo que aconteceu. Você se sente uma pessoa suja, inútil. Eu não tenho palavras para expressar o que sinto com essa situação.”
Após ser informada do episódio, a direção perguntou se a mulher queria ir para casa ou registrar um boletim de ocorrência. Abalada, ela diz que seguiu para a Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) de Jacarepaguá, onde ouviu da delegada que ela deveria procurar um advogado.
“Fui à delegacia, conversei com a delegada sobre tudo que eu havia ouvido. Ela me orientou a procurar os advogados para saber, daí para frente, o que poderia ser feito”, relata.
Busca e apreensão contra suspeito
A paciente, o médico e o técnico de enfermagem foram ouvidos no mesmo dia, em 2 de agosto.
No mesmo dia, a delegada Viviane da Costa Ferreira Pinto determinou que o caso fosse comunicado ao Conselho Regional de Enfermagem do Rio (Coren-RJ) para que houvesse uma investigação ética contra o servidor por parte da entidade.
O caso foi caracterizado e investigado pela Deam de Jacarepaguá por registro não autorizado de intimidade sexual – que é produzir, fotografar, filmar ou divulgar conteúdo com cenas íntimas, de nudez ou ato sexual sem autorização dos participantes, com a pena de detenção é de 6 meses a 1 ano, e multa.
No dia 8 de agosto, a delegada representou contra o profissional no Juizado Especial Criminal (Jecrim), um órgão do Judiciário para crimes de menor potencial ofensivo.
No relatório, a investigação pediu que a Justiça concedesse um mandado de busca e apreensão do celular do técnico de enfermagem e a quebra de sigilo dos dados dos materiais apreendidos.
Em nota, a Polícia Civil afirmou que “a autoridade policial representou pela busca e apreensão de dispositivo eletrônico do autor” e que o “caso foi enviado ao Poder Judiciário”.
No entanto, a Polícia Civil não informou se o mandado foi autorizado pela Justiça. A assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça afirmou que “não foi possível encontrar o processo na pesquisa feita a partir do nome indicado” e que “é provável que o caso esteja em fase de inquérito ou segredo de justiça”.
A defesa da agente de saúde entrou com uma petição no Jecrim pedindo que a juíza declinasse do caso e que ele fosse capitulado como estupro de vulnerável e que fosse para uma Vara Criminal.
Suspeito nega as acusações
O suspeito negou que tenha feito fotos da paciente. Afirmou que estava com o “telefone celular para procurar sinal e já estava em ligação” e que “ficou surpreso com a notícia, pois é instrumentador há 20 anos”.
Ainda ao g1, o técnico de enfermagem classificou a denúncia como “coisa ridícula, sem fundamento, esdrúxula” e disse que fez uma selfie para mandar para a própria mulher.
“Sou da área da saúde há 21 anos, e nunca ocorreu esse fato. Eu não entendi a história desse cara, que é sem fundamento. É uma coisa comum você pegar o aparelho para responder mensagens. Eu estava em contato com ela [esposa] e, quando fui pegar o telefone, fiz uma selfie para mostrar para ela: ‘Olha, mozão, estou trabalhando’. Naquele dia, mais 7 pessoas estavam na sala. Não pode um cidadão desse alegar uma coisa ridícula, sem fundamento e esdrúxula. Não sei se ele é frustrado, recalcado ou invejoso. Não sei”, disse.
O homem tem ao menos outras 4 anotações criminais:
• abuso sexual conta adolescente de 16 anos, em 2009. Caso foi arquivado em maio de 2024 porque passou do prazo para investigação (prescrição);
• ameaça e maus-tratos contra a mãe (em aberto);
• estelionato e associação criminosa (em aberto);
• apropriação indébita (em aberto).
Afastamento
Em nota, o Conselho Regional de Enfermagem (Coren-RJ) informou que foi notificado pela Comissão de Ética Institucional e pela Deam-Jacarepaguá. Segundo o órgão, foi aberta uma investigação na entidade, e todo o material produzido foi encaminhado à Câmara de Ética para o devido processamento, inclusive sobre uma possível suspensão cautelar do exercício de profissão.
O Coren-RJ afirmou que o profissional poderá ser advertido ou até ter a cassação do direito ao exercício profissional por um período de até 30 anos.
O Ministério da Saúde informou que o Departamento de Gestão Hospitalar (DGH) no Rio de Janeiro abrirá uma sindicância para apurar o caso e tomar as medidas cabíveis e que o servidor será desligado.
“O servidor temporário será desligado, conforme decisão desta sexta-feira (23/8) do Departamento de Gestão Hospitalar (DGH) da pasta, após avaliação interna realizada a partir do momento em que o caso veio à tona. As investigações internas e a colaboração com a Polícia Civil continuam. A vítima está recebendo todo o suporte necessário”, diz a nota.
Por Laura Braga
Fonte: metropoles.com