No Brasil, a aposentadoria compulsória como punição para magistrados que cometem infrações tem gerado um intenso debate. Entre 2008 e 2023, 60% das punições aplicadas pelo CNJ resultaram nessa medida, o que demonstra sua predominância e a percepção de impunidade associada. Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo, ex-procurador-geral do MP/SP, afirma que “essas punições, muitas vezes, parecem insuficientes para reprimir as infrações mais graves, sendo um benefício disfarçado, já que o magistrado continua recebendo proventos proporcionais”.
Aposentadoria compulsória: um benefício disfarçado?
A aposentadoria compulsória é a sanção administrativa mais severa aplicada a magistrados. Quando condenados, juízes são afastados de suas funções, mas continuam a receber proventos proporcionais ao tempo de serviço. Dados do CNJ mostram que, entre 2008 e 2023, essa foi a punição aplicada em 60% dos casos de magistrados punidos, o que levanta questionamentos sobre sua eficácia como punição.
Essa sensação de impunidade é reforçada por casos concretos. O juiz Marcos Scalercio, por exemplo, foi aposentado compulsoriamente por acusações de assédio sexual, mas organizações como o Coletivo de Mulheres do Sintrajud consideram que a demissão sem remuneração seria a punição mais justa. As vítimas relataram que, ao manter o recebimento de proventos, o magistrado não foi adequadamente punido, perpetuando a impunidade.
Crimes cometidos por magistrados e ausência de prisão
No Brasil, crimes cometidos por juízes ou desembargadores podem ser processados criminalmente. Porém, na prática, raramente se vê magistrados sendo presos por infrações graves. Casos como o da desembargadora do TRT-5, aposentada compulsoriamente por interferir em processos e beneficiar familiares, demonstram a complexidade do sistema. Apesar de afastada, ela ainda recebe proventos enquanto aguarda o desenrolar do processo criminal.
“A nossa legislação assegura vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, o que perpetua a sensação de impunidade,” criticou a Ministra Rosa Weber, presidente do CNJ, durante um dos julgamentos de aposentadoria compulsória.
Percepção de impunidade e a necessidade de reformas
O caso do desembargador Hélcio Valentim de Andrade Filho, que foi aposentado compulsoriamente com um salário de quase R$20.000, é outro exemplo de como essa sanção se torna mais um privilégio do que uma punição efetiva. Essa situação reforça a crítica de que a aposentadoria compulsória beneficia magistrados que deveriam ser mais severamente punidos.
Para Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo, é imprescindível que, além da sanção administrativa, os processos criminais sejam conduzidos paralelamente, com o objetivo de retirar os benefícios de magistrados que cometem crimes graves.
A necessidade de mudanças legislativas
A insatisfação com o sistema de aposentadoria compulsória levou à criação de propostas como a PEC 58 de 2019, que busca abolir essa sanção e introduzir a demissão como punição adequada. O senador Carlos Viana, autor da proposta, argumenta que o sistema atual “não pune de forma justa magistrados que cometem infrações graves”. Além disso, a PEC propõe limitar as férias a 30 dias e aumentar o prazo para a vitaliciedade, buscando tornar o Judiciário mais rígido com os magistrados punidos.
Sandra Krieger, professora de Direito, destaca a urgência de revisar as leis da magistratura para garantir maior efetividade nas punições aplicadas pelo CNJ e CNMP.
Considerações finais
O debate sobre a aposentadoria compulsória levanta questões profundas sobre justiça e equidade no Brasil. Com dados mostrando que 60% das punições aplicadas pelo CNJ resultam nessa medida, a necessidade de reformulação do sistema de penalidades é evidente. Casos como os de Marcos Scalercio e Hélcio Valentim evidenciam o problema de um sistema que permite que magistrados continuem a receber proventos após condenações administrativas graves. A sociedade exige respostas mais firmes e uma maior articulação entre o CNJ e o Ministério Público para que crimes graves não sejam tratados apenas no campo administrativo.