Em nota, a OAB repudiou o ataque de Scaff. “A OAB segue atuando no sentido de valorizar e fortalecer o exercício da advocacia em São Paulo, prestando serviço ao amplo contingente de advogados e advogadas paulistas e na defesa intransigente de suas prerrogativas” (leia abaixo a íntegra da nota da OAB-SP).
É a segunda vez que Scaff, formado pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas, tenta chegar ao topo da maior seccional estadual da OAB. Em 2021, ele disputou o pleito com outros quatro candidatos e terminou com votação reduzida, a menor: 9.091 (5,07%). A vencedora foi Patricia Vanzolini (@patvanzolini), com 67.395 votos (36,05%).
Especialista em negociação e liderança por Harvard, Scaff faz duras críticas ao atual momento da OAB e da Advocacia brasileira. Para ele, há uma perda do prestígio em ser advogado. “O prestígio da advocacia sempre foi de não ter nenhuma hierarquia com os demais operadores do Direito. O advogado, eu sempre digo, é o único operador que tem receita variável, ele não recebe por mês, ele não tem o salário do Poder Público. Todos os demais têm.”
"Você não pode ter o promotor de Justiça e o defensor público, que são partes, com direito ao porte de arma e o advogado não. O advogado é muito mais vulnerável do que eles." — Alfredo Scaff
Scaff lecionou na Unip, Faap e na OAB-SP (curso preparatório). Em entrevista ao Estadão, ele também defende pontos polêmicos, como a proposta de advogados armados, mas reconhece a necessidade de preparo técnico e psicológico para liberação de revólveres para a sua classe.
Com “regras rígidas”, diz acreditar que menos de 1% da classe optará por ter uma arma de fogo pendurada na cintura. “É preferível que a pessoa não ande armada, não há dúvida, mas o que você não pode é tolher o direito de alguém poder andar com porte de arma quando ela cumpre todos os requisitos”, considera.
Atualmente, ele atua como conselheiro jurídico da Fecomércio de São Paulo e Conselho Consultivo na Associação Comercial de São Paulo. O Estadão procurou a OAB-SP diante das declarações de Scaff, mas não houve manifestação.
Leia a entrevista de Alfredo Scaff Filho:
O senhor foi candidato na última eleição da OAB e quem venceu foi Patricia Vanzolini. Como avalia esses últimos anos da OAB de São Paulo?
Veja, a minha avaliação geral é que os últimos três anos foram os mais fracassados da OAB de São Paulo. A OAB de São Paulo não entrega serviço, não entrega prerrogativa, não entrega informação, não entrega acessibilidade, não entrega assistencialismo. Tudo na OAB é mais caro. A OAB simplesmente não isenta os advogados recém-formados por pelo menos dois anos, porque eles não têm dinheiro para pagar anuidade. Quem paga é o pai ou o avô. A OAB precisa entender que o estagiário precisa ser oficializado desde o primeiro ano de Direito e não somente no quarto ano. Na verdade, eles não entregaram nada que tenha mudado a vida da Advocacia para melhor. E como é o nome disso? Legado. Nada que eu digo é nada mesmo. Pelo contrário, eles só nos entregaram derrotas. Eles não agem, eles só reagem. E quando reagem, reagem mal, porque não tem resultado prático nenhum. É uma OAB submissa, é uma OAB covarde, é uma OAB subserviente e uma OAB que não tem o respeito do Poder Judiciário paulista.
O senhor fala ‘covarde, submissa’ em que sentido? Submissa a quem?
Submissa a um sistema que está calando os advogados. Isso não pode acontecer. Advogado calado é advogado que não existe. É um fantasma. Advocacia não é profissão de covardes. Advocacia é a profissão das teses, da opinião livre, da argumentação livre, porque, na verdade, o advogado não decide. Ele pede o que ele quiser. Ele vai ter o seu pedido deferido ou não. Agora, a liberdade de pedir está sendo violada. E quando ela é violada, no exercício profissional, no exercício das suas prerrogativas, do livre exercício da profissão, a OAB de São Paulo se cala. Nunca a nossa classe foi tão desunida.
Foto: ALEX SILVA/ESTADAO |
O presidente nacional da OAB, Beto Simonetti, aparenta ser favorável a armar os advogados. O sr defende a ideia?
Acho que em alguns casos é válida (a proposta). Essa proposta nós defendemos desde 2019. É uma questão de isonomia, de igualdade de direitos de requerimento. Você não pode ter o promotor de Justiça, o defensor público, que são partes, com direito ao porte de arma e o advogado não. O advogado é muito mais vulnerável do que eles. Eles trabalham dentro de repartições públicas. Nós trabalhamos na rua, nós visitamos clientes, nós viajamos com documento, com valores, a gente visita cliente na prisão, a gente vai em todos os locais do Estado, na periferia, nos grandes centros. Agora, de quem é a culpa? É culpa da OAB que nunca lutou por isso. Beto Simonetti vem somente agora falar de porte de arma para advogados? Nós temos essa bandeira desde a eleição de 2021 e continuaremos defendendo.
Como seria a proposta para permitir armas aos advogados?
Eu quero com regra para todos. Eu quero com regra para juízes, promotores, defensores e advogados. Seriam regras rígidas.
O advogado, por exemplo, que retirar a carteira da OAB vai sair de lá com autorização para portar um revólver?
Não. Quando você fala de porte de arma, você está defendendo a sua família, você está defendendo o seu escritório, você está defendendo a sua liberdade de ação e manifestação, que é garantida pela Constituição. O advogado é inviolável por seus atos e manifestações. É uma pessoa exposta na sociedade civil porque ele emite opinião, ele faz separação de casais, faz divórcio, briga por patrimônio. Então, é um profissional exposto a ser assassinado, a ser ameaçado.
O que o leva a defender essa proposta?
Ninguém melhor do que a advocacia tem o direito de requerer o porte de arma. O problema é que estamos sendo tolhidos no requerimento do porte de armas. ‘Ah, Skaff, você quer que um milhão de advogados andem armados?’ Nunca falei isso. Pelo contrário, eu aposto que nem 1% dos advogados vão requerer o porte de arma. Sabe por quê? Porque temos que ter regras rígidas para uma pessoa ter porte de arma, como guardar a arma, local para guardar a arma, não guardar a arma carregada em casa, guardar a arma num cofre, assinar termo de responsabilidade, ter uma agravante na lei penal com relação a eventual disparo de arma, mesmo acidental, ter teste psicológico, testes de aptidão no manuseamento da arma.
O advogado teria que fazer curso?
Então, basta você colocar regras que muita gente, além de não ter afinidade com isso, não gostar, e a pessoa tem todo o direito de não gostar, é preferível que ela não ande armada, não há dúvida. Mas o que você não pode é tolher o direito de alguém poder andar com porte de arma quando ela cumpre todos os requisitos. Cumprido todos os requisitos, sendo monitorado anualmente, tendo que frequentar clubes de tiro, tendo que manusear a arma, tendo que ter avaliação do profissional, instrutor de tiro.
Essas exigências valem também para outros operadores do Direito?
Por que o juiz não faz teste para ter porte de arma? Por que o promotor não faz teste? Por que o defensor não faz teste? E se a arma dispara na casa dele e mata um filho? E se a arma dispara quando ele está no carro e ele perde uma perna? E se ele não tiver aptidão em nunca ter olhado uma pistola ou um revólver na vida? E se ele não souber carregar o pente dessa pistola? Então, basta que você imponha requisitos rígidos que a minoria da minoria vai requerer o porte de arma.
Há um projeto em tramitação no Congresso para exigir votação entre os advogados para escolha do Conselho Federal da OAB. É importante uma mudança do tipo hoje?
É muita incoerência a entidade que representa a sociedade civil, e a maior prova disso foi que a OAB impulsionou o programa das Diretas Já para presidente da República. Quarenta anos depois, a OAB ainda não tem eleição direta para seu presidente do Conselho Federal. É como se eles não tivessem lutado pela Presidência da República, porque o nosso presidente do Conselho Federal é eleito por 80 conselheiros eleitos diretamente. Somente ele não é eleito diretamente por mais de um milhão de colegas. A pessoa mais importante no cenário nacional, que representa todos os presidentes das seccionais estaduais, é eleito indiretamente. Isso é uma incoerência que a sociedade civil não aceita. A classe da advocacia, muito menos. Ela almeja as eleições diretas, é uma eleição fácil de ser realizada, não há problema algum, basta que a urna eletrônica faça a sua vez. Então, nós propusemos o PL 1123/ 22, que, infelizmente, por um bom tempo não andou. Fomos a Brasília e pedimos à presidente da Comissão de Constituição e Justiça, deputada Carol di Toni (PL-SC), que nos atendeu prontamente e mudou a relatoria. E, hoje, a relatora é a deputada do Distrito Federal, Bia Kicis (PL-DF).
Foto: ALEX SILVA/ESTADAO |
Essa proposta vai ficar mesmo no Congresso ou há possibilidade de o assunto ir para o Supremo?
Não há mínima possibilidade de haver discussão sobre a constitucionalidade de uma votação direta para presidente da República. Isso está previsto na Constituição. A Constituição diz que o nosso voto para a classe política é direto, secreto e universal. Da mesma forma, a OAB simplesmente vai acompanhar um princípio constitucional. Não há o que se discutir. É um projeto de lei extremamente normal. Até porque ele nem deveria existir. O projeto de lei, na verdade, é uma imposição forçada nossa através do Parlamento. A obrigação do Conselho Federal era, numa sessão, decidir pela eleição direta. Eles têm esse poder. Se o Conselho Federal tivesse essa vontade democrática, nós não precisaríamos ter protocolado o projeto de lei.
Com a mudança de relatoria, há uma previsão para a primeira eleição?
Para o ano que vem, é muito difícil. Eu acho que na próxima eleição, em 2027, nós já teremos (eleição para o Conselho Federal). Faz tudo de uma vez, uma campanha nacional junto com as campanhas estaduais. Isso, obviamente, é o mais econômico e é democrático.
E a votação seria obrigatória?
Hoje, votam para a seccional todos os advogados adimplentes. Eu acho que para a eleição direta, para presidente do Conselho Federal, todos os advogados do Brasil, independente se são adimplentes ou não, deveriam votar, porque é uma cadeira que representa o país todo. Representa 27 seccionais.
O senhor citou o empenho da OAB nas Diretas Já. Comparando 1984 com os tempos atuais, a Advocacia tem perdido prestígio?
Diminuiu muito. O prestígio da advocacia sempre foi de não ter nenhuma hierarquia com os demais operadores do Direito. O advogado, eu sempre digo, é o único operador do Direito que tem receita variável, ele não recebe por mês, ele não tem o salário do Poder Público. Todos os demais têm. E o que a OAB Federal e a OAB de São Paulo estão nos entregando nos últimos anos? São derrotas perante ao Judiciário. Quais são essas derrotas? O desrespeito dos servidores, os direitos de determinadas autoridades, a falta de proteção e defesa das prerrogativas. Muita coisa não teria acontecido em termos de arbitrariedade se a OAB tivesse agido.
A OAB está calada?
A OAB precisa ter voz. A OAB sem voz é uma OAB inexistente. A OAB precisa ter uma missão, um propósito, ela precisa ser corporativista. Ela só existe para cuidar dos advogados. A OAB não existe para entrar em pauta política. Quem entra em pauta política são partidos políticos. A OAB é uma instituição corporativista que precisa ver o que os advogados estão precisando.
O que senhor acha da publicidade de advogados?
Qual é o mercado de trabalho que nós podemos ampliar? Por que a gente não abre a publicidade imediatamente para os advogados, como no mundo inteiro? O advogado precisa ganhar dinheiro, ele precisa sobreviver, ele precisa pagar suas contas, ele precisa ter lazer, ele precisa ter uma vida boa, não pode ficar devendo todos os meses, precisa trabalhar em paz, com dignidade, respeito perante os Poderes. Porque o advogado é o único operador do Direito que milita em todos os poderes, em todas as instituições, na vida pública e na vida privada. A gente precisa colocar esse conceito de volta na sociedade civil. O respeito e a dignidade da advocacia são o respeito e a dignidade da cidadania.
Há reclamações de advogados sobre excesso de trabalho diário. Horas e horas a mais de trabalho nos escritórios. Alguns advogados dizem que muitos escritórios descumprem normas trabalhistas. O que o senhor sabe sobre isso?
Dá para OAB fazer uma fiscalização para tentar barrar situações, digamos, extremas, não é? Daqui a pouco análogo à escravidão, praticamente, em algum escritório. Isso é uma coisa que nos preocupa muito. Principalmente, os recém-formados estão trabalhando mais de 10 horas por dia. Eu acho que a OAB precisa intervir nisso, ela precisa regulamentar isso. Nós achamos também que esse advogado que presta serviço para um escritório médio ou de grande porte ganha muito pouco. Ele precisa ter um piso salarial melhor. Não pode ter vínculo empregatício entre advogado, dono do escritório, e advogado prestador de serviço. Isso eu sou contra. São profissionais autônomos.
O valor da anuidade da OAB precisa ter redução?
Nós achamos que a OAB não está entregando a anuidade que cobra. E a inadimplência é muito alta.
Qual o valor da anuidade hoje?
Hoje é R$ 900 a R$ 1 mil. O que a gente quer é baixar gradativamente essa anuidade para provar que a gente está entregando aquilo que está sendo pago. E quando você reduz o valor, mais advogados vão pagar. Então, não vai ter queda de receita.
Redução até a metade?
O ideal é que a anuidade fosse no máximo US$ 100 por ano, valor de R$ 550, R$ 570. Existem também os advogados que não têm OAB. Você encontra uma gama enorme de colegas que estão fora do sistema da OAB, porque não pagam anuidade por diversos motivos, e eles voltariam a frequentar a OAB e receber os serviços de volta.
O ex-presidente nacional da OAB Felipe Santa Cruz se tornou um oposicionista do governo de Jair Bolsonaro. O atual presidente, Beto Simonetti, é mais reservado. O senhor acredita que tanto o presidente nacional como os presidentes seccionais devem se manifestar politicamente?
A OAB foi criada para cuidar dos advogados. A OAB não é um partido político. A OAB pode dar opiniões de toda a sociedade civil, toda e qualquer opinião política pode sim ser estudada pela OAB, desde que a OAB analise essa posição política de acordo com as normas constitucionais e os interesses da Advocacia. Se for fora dos interesses da Advocacia, a OAB está em uma função atípica, porque ela não foi criada para se manifestar sobre ideologia, ela não foi criada para se manifestar se a lei está certa ou não. Isso é atribuição de quem? Do Parlamento. A OAB não pode se manifestar quando o processo legislativo está em andamento, ela pode se manifestar na discussão do processo legislativo, mas interferir na vontade de um parlamentar, de forma alguma. Então, a OAB pode sim ter posições institucionais políticas, desde que essas posições estejam a favor e a serviço da Advocacia e do melhoramento da Advocacia.
Estão em andamento no Congresso mudanças no Código Civil. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, citou que depois da conclusão da reforma no Código Civil, vai ter mudança no Código Penal. É hora de rever os códigos?
Em primeiro lugar, a discussão tem que ser lenta, ela tem que ser uma discussão profunda, com conteúdo profundo, para que a lei tenha durabilidade. Eu acho que está na hora, sim, de rever o Código Penal e o Código Civil, porque os valores sociais mudaram muito. Nós estamos em 2024. Determinados crimes podem ser simplesmente infrações menores. E você tem que aprimorar determinados artigos da lei penal, por exemplo, colocando qualificadoras e aumentos de pena. Por exemplo, mataram um policial, aumento de pena. Ameaçaram um advogado na sua profissão, aumento de pena, crime qualificado. Eu acho que essas coisas precisavam ser estudadas. Não é só o juiz, o promotor, o delegado e o procurador que são operadores do Direito. A advocacia também tem no seu estatuto a preservação das normas constitucionais. Nós também somos fiscais das normas do Brasil, das normas constitucionais e infraconstitucionais. Então, a OAB precisa participar intensamente dessa discussão para que a lei seja cada vez mais aprimorada. E, obviamente, a lei tem que ser debatida com a sociedade, com os anseios sociais, que são os valores que fazem a lei mudar para melhor.
COM A PALAVRA, A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, SECCIONAL DE SÃO PAULO
A Ordem dos Advogados do Brasil Secional São Paulo (OAB SP) não se manifesta sobre discursos de eventuais candidatos ao pleito deste ano e lembra que a antecipação de atos de campanha infringe o provimento interno 222/2023, que estabelece as regras para as eleições na entidade. A OAB SP segue atuando no sentido de valorizar e fortalecer o exercício da advocacia em São Paulo, prestando serviço ao amplo contingente de advogados e advogadas paulistas e na defesa intransigente de suas prerrogativas.
Atenciosamente, Ordem dos Advogados do Brasil Secional São Paulo - OAB SP
Por Heitor Mazzoco
Fonte: estadao.com.br