A operação, intitulada Fraude Radioativa, deflagrada no final do mês de setembro, revelou que advogados envolvidos no esquema apresentavam laudos falsos para obter isenção fiscal indevida. Um policial militar reformado teve seus benefícios suspensos após a descoberta das fraudes, com um prejuízo estimado em R$ 31.601,76.
Ao todo, os 644 beneficiários teriam causado danos milionários aos cofres públicos.
“Se as isenções baseadas em laudos médicos falsificados continuarem, o estado de Goiás continuará sofrendo prejuízos milionários, além de o Poder Judiciário estar sendo utilizado de maneira indevida”, afirmou o desembargador Carlos França, responsável pela decisão.
Fraude radioativa
A operação foi deflagrada pela Polícia Civil em 30 de setembro, com o objetivo de combater fraudes que totalizam R$ 20 milhões, relacionadas aos benefícios pagos às vítimas do acidente com o césio-137. Durante a ação, foram cumpridos três mandados de prisão e 11 de busca e apreensão em Goiânia. Entre os investigados estão um procurador e dois militares aposentados, que negam envolvimento nas fraudes, alegando que foram enganados pelas advogadas responsáveis.
O procurador Carlos Alberto Fonseca, um dos investigados, admitiu falta de cautela ao confiar nas advogadas. Ele declarou: “Não fomos ao processo verificar os exames, o que foi um erro de cautela, mas não ingenuidade.”
Duas advogadas estão presas por suspeita de liderarem o esquema. Ana Laura Pereira Marques está em prisão domiciliar, enquanto Gabriela Nunes Silva foi solta e responde em liberdade. A defesa de Ana Laura afirmou que só se pronunciará em juízo, e o advogado de Gabriela, Jonadabe Almeida, declarou que ela desconhecia a existência dos documentos falsificados.
De acordo com o delegado Leonardo Dias Pires, responsável pela investigação, os suspeitos alegavam que o material coletado das supostas vítimas seria enviado a um laboratório nos Estados Unidos para análise, justificando que não havia laboratório no Brasil capaz de realizar tais exames.
Além disso, um policial militar reformado foi preso por captar clientes para as advogadas, e outros cinco advogados estão sendo investigados.
Pensão insuficiente
Apesar disso, reportagem do Metrópoles apontou que, desde 2018, algumas vítimas do acidente radiológico lutam pelo aumento da pensão paga pelo estado de Goiás. Determinados grupos atendidos pelo benefício recebem, hoje, menos de um salário mínimo – exatamente, R$ 954.
Centenas de pessoas, entre vítimas, familiares e trabalhadores que atuaram na operação de socorro, à época, convivem com as marcas da tragédia e com as consequências de terem sido irradiados.
Uma das pessoas que recebem os R$ 954 pagos pelo governo de Goiás é Lourdes das Neves Ferreira, de 72 anos. Ela é a mãe da menina Leide das Neves, que se tornou a vítima símbolo do acidente. A garota morreu aos 6 anos de idade, dias após se contaminar ao ingerir um ovo cozido com as mãos sujas de Césio-137.
Lourdes perdeu a filha, o marido, a casa onde vivia e tudo que havia conquistado, até então. O local foi inteiramente removido e virou rejeito radioativo. Hoje, ela vive numa casa em Aparecida de Goiânia (GO) e tenta, sozinha, com o pouco dinheiro que recebe, manter as contas em dia, garantir o alimento e os remédios de uso contínuo.
“Eu não quero nada de luxo, não. Só quero ter um final de vida digno. Esse dinheiro que recebemos é para comer e comprar remédio, mas parece que ninguém se importa com a gente mais”, diz Lourdes.
Acidente radiológico
O acidente com o Césio-137 teve início no dia 13 de setembro de 1987, quando dois homens encontraram um aparelho de radioterapia abandonado em uma clínica desativada, no Centro de Goiânia.
Após desmembrarem o equipamento, eles chegaram à cápsula contendo a substância e, sem conhecimento do perigo, pensaram que poderiam fazer algum dinheiro, vendendo-a para ferros-velhos.
No mesmo dia, os dois homens conseguiram abrir a cápsula, tiveram contato com o pó brilhante e azul de Césio-137, e iniciaram um processo de divisão, transporte, manuseio e espalhamento da radiação, que durou 16 dias até a confirmação do acidente radiológico, em Goiânia.
O poder público só descobriu que se tratava de um acidente radioativo – o maior do mundo em perímetro urbano, até então -, no dia 29 de setembro de 1987. Nesse período, várias pessoas tiveram contato com a substância, foram irradiadas, começaram a passar mal e foram hospitalizadas.
Goiânia e região foram submetidas a uma varredura minuciosa para tentar conter o avanço da irradiação. Várias pessoas ficaram com sequelas, convivem com doenças graves e quatro morreram, à época, sendo consideradas até hoje as mortes oficiais do acidente:
• Leide das Neves Ferreira, de 6 anos;
• Maria Gabriela Ferreira, de 38 anos;
• Israel Batista dos Santos, de 22 anos;
• Admilson Alves de Souza, de 18 anos.
Por Laura Braga
Fonte: metropoles.com