O órgão francês estabeleceu “a relação de causa e efeito entre a doença de Emmy” e a “exposição a pesticidas durante o período pré-natal”, ou seja, ainda na gestação.
Laure Marivain começou a trabalhar como florista aos 20 anos. Inicialmente, ela foi vendedora em uma floricultura artesanal. Anos mais tarde, foi contratada por um grande atacadista do setor, que importava quantidades consideráveis de flores produzidas em países distantes.
Um dos trabalhos de Laure no dia a dia era limpar "as manchas azuis e amarelas" que cobriam as folhagens das plantas. Mal sabia ela que eram substâncias altamente tóxicas e potencialmente letais.
À época, a florista desconhecia o risco que os pesticidas representavam para a saúde humana. Ao portal de notícias France Info, Laure afirmou que se considerava "sortuda" de trabalhar em contato com as flores.
No final de 2009, quando trabalhava para um atacadista, Laure engravidou de Emmy. Mas desde o início da gravidez, as coisas ficaram complicadas. "Ganhei muito pouco peso e meu bebê também”, contou. Ela foi monitorada e rapidamente colocada em licença médica. O parto também foi difícil.
Placenta foi alterada
“Quando Emmy nasceu, ela não chorou", lembra Laure. Ela estava toda roxa. O anestesista contou que havia um problema na placenta, que tinha um aspecto carbonizado, totalmente preta.
Laure recorda que a parteira chegou a perguntar se ela havia tomado drogas durante a gravidez. Mas a mãe negou. Ela nunca fumou e não bebe álcool.
Os únicos produtos tóxicos com os quais ela teve contato durante a gestação estavam nas plantas que ela manuseava o dia todo, sem saber que poderiam representar um risco à saúde e à da filha. As informações são do portal France Info, a maior plataforma de informação do sistema público de audiovisual francês.
Na maternidade, Emmy acabou ganhando peso e pôde ir para casa. Mas a criança cresceu com o peso sempre abaixo da curva correspondente à idade. Aos 3 anos, ela entrou na escola e passou a reclamar de dores no corpo, primeiro no cóccix, depois nos joelhos.
A dor nos ossos acordava a criança à noite. A professora advertiu os pais de Emmy que ela estava adormecendo na aula. “Nossa garotinha, que estava tão viva, estava falecendo”, recorda a mãe.
Em 2015, quando Laure estava grávida do terceiro filho, ela e o marido François receberam o diagnóstico de que Emmy tinha um câncer grave. A garotinha sofria de Leucemia Linfoblástica Aguda do tipo B (LLA), e uma longa batalha começou para a família.
Emmy passou a ser hospitalizada com frequência, além de enfrentar sessões de quimioterapia, operações e transplantes. Durante sete anos, a menininha lutou contra a doença e a dor, que nunca a abandonaram.
43 pesticidas diferentes em um buquê de flores
Laure Marivain afirma que só passou a se questionar sobre a origem da doença da filha um ano antes dela morrer. Em 2021, ela começou a buscar mais informações e constatou que o sofrimento que Emmy atravessava não era normal.
A mãe da menina descobriu que o trabalho poderia ter causado o câncer da filha. Ela soube, então, que as rosas que semeou, o cheiro gostoso dos buquês de flores que adorava aproximar do nariz, as flores exóticas que manuseou depois de comer alguma coisa, talvez não fossem tão inofensivas.
"Depois de pesquisar, descobri que em um buquê podia haver 43 pesticidas diferentes", relata. Esses coquetéis tóxicos são utilizados, entre outros motivos, para manter as flores vivas por mais tempo.
Envenenamento de crianças
A ex-florista teve tempo de contar à filha como a doença tomou conta do seu corpinho frágil de criança. Antes de morrer, Emmy fez a mãe prometer que faria o que estivesse ao alcance dela para que o maior número de pessoas fossem informadas sobre os riscos à saúde que um simples buquê de flores pode conter.
"Ela me disse: 'Mãe, você tem que lutar, porque ninguém tem o direito de fazer isso com as crianças. Não é possível envenená-las'. Então, eu prometi a ela que faria tudo o que pudesse para provar a ligação entre a doença e a minha profissão de florista", afirmou a francesa.
Laure entrou em contato com a ONG Phytovictimes, que recomendou a ela procurar o Fundo de Indenização às Vítimas de Pesticidas (FIVP), criado em 2020 pela lei de financiamento da seguridade social francesa. Em fevereiro de 2022, após reunir todos os documentos necessários, Laure apresentou o processo ao Fundo. Emmy faleceu poucos dias depois.
Em julho de 2023, a comissão responsável pela análise do caso de Emmy, composta por investigadores e médicos, reconheceu por unanimidade a relação de causa e efeito entre a doença que levou à morte da menina e o trabalho da mãe.
O sentimento de culpa de Laure Marivain foi enorme, mas ela continua sua luta para obrigar a França e a União Europeia a adotarem uma legislação rigorosa contra os pesticidas importados nas flores. Os produtores do bloco não dispõem desses produtos no comércio.
Risco é maior para floristas do que agricultores
Um estudo científico belga demonstrou que os riscos de contaminação direta são mais importantes para floristas do que em agricultores. Porém, as pessoas que exercem essa atividade não estão informadas.
Diferentemente das frutas e legumes importados, não existe na União Europeia uma regulamentação que estabeleça limites máximos de resíduos para as flores, tampouco qualquer controle desses resíduos.
Atualmente, 85% das flores vendidas na França são produzidas no exterior, principalmente em países do leste da África e na Colômbia. “Essas flores são potencialmente assassinas e ninguém avisa nem os consumidores, nem os floristas, que são os primeiros a ficarem expostos”, lamenta Laure Marivain.
Atualmente, os pais de Emmy contestam na Justiça francesa o montante da indenização que receberam do Fundo de Indenização às Vítimas de Pesticidas. O advogado do casal, François Lafforgue, afirma que o organismo não levou em consideração o sofrimento que Emmy passou durante o enfrentamento da leucemia.
Segundo a associação Phytovictimes, o Estado francês reconheceu até agora cinco casos de crianças doentes que foram contaminadas pelos seus pais floristas.
Para as crianças expostas no útero pela atividade profissional dos pais, as famílias podem pedir indenização por doenças como tumor cerebral, leucemia, distúrbios de neurodesenvolvimento e autismo.
Porém, os especialistas estimam que, por falta de comunicação pública, o número de casos de crianças portadoras de doenças neonatais derivadas de contaminação por pesticidas é altamente subestimado.
Por Adriana Moysés
Fonte: g1