O feminicídio, previsto na Lei nº 13.104/2015, é classificado como o assassinato de uma mulher pela “condição do sexo feminino; violência doméstica e familiar; menosprezo ou discriminação à condição de mulher”.
A pena é aumentada de um terço até a metade se o crime for praticado “durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; na presença de descendente ou de ascendente da vítima”.
A advogada e especialista em direitos humanos e direito penal Mayra Cardozo explicou que a decisão do presidente em relação ao aumento da pena “representa um avanço significativo no enfrentamento à violência de gênero” e que ajuda a modificar comportamentos sociais que normalizam e sustentam esse problema.
“A nova redação do Código Penal, que desloca o feminicídio de uma qualificadora do crime de homicídio (art. 121, §2º, VI) para um tipo penal autônomo (art. 121-A), com pena de reclusão de 20 a 40 anos, representa um avanço significativo no enfrentamento à violência de gênero. Do ponto de vista processual e simbólico, a autonomia do feminicídio como crime reflete o reconhecimento da gravidade ímpar que essas mortes carregam, uma vez que decorrem de uma estrutura patriarcal que submete as mulheres a ciclos de violência contínua”, explica a advogada.
No entanto, Mayra destaca que é necessário “considerar as limitações inerentes ao direito penal punitivista e ao seu caráter seletivo”. Ou seja, o sistema penal brasileiro prioriza a punição, em vez de adotar medidas preventivas e educativas, o que tem pouco impacto prático na “transformação das causas estruturais da violência”.
“O aumento da pena pode gerar a ilusão de justiça, quando na verdade mantém o foco na punição pós fato, sem abordar as raízes culturais e sociais que levam à perpetuação do feminicídio”, destaca Mayra.
A advogada pondera que, por mais que “seja fundamental punir severamente crimes como o feminicídio, a crítica ao punitivismo se faz necessária na medida em que o direito penal, por si só, não tem o poder de transformar as bases sociais que legitimam a opressão e a violência de gênero”.
Não garante mais justiça
O criminalista e professor de processo penal do Centro Universitário Curitiba Alexandre Knopfholz explicou que aumentar a pena para o feminicídio não garante mais justiça, sendo um exemplo do que ele chama de direito penal simbólico.
“Você aumenta a pena para dar um ar de mais gravidade ao crime, mas isso não inibe o criminoso. Já está mais do que comprovado que o aumento da pena não necessariamente importa em diminuição dos casos, basta ver a lei de crimes hediondos, que colocou vários crimes como hediondos, e não diminuiu a prática deles, explica Knopfholz.
Segundo o criminalista, os desafios da nova legislação são os mesmos de antes. A eficácia das medidas protetivas depende mais da coragem da vítima em solicitá-las e de uma boa instrução e perícia, sendo esses fatores muito mais importantes do que o simples aumento da pena.
“A existência de um crime de um homicídio próprio para as mulheres, acho extremamente importante, mas essa parte da lei, que foi só de aumentar a pena de feminicídio, não me parece que vai resolver o problema”, alerta o profissional.
Knopfholz também destaca que o que realmente reduzirá a prática desses crimes é, por exemplo, “um maior engajamento não apenas da vítima, mas também do próprio Judiciário, do Ministério Público e da polícia”, enfatizando a importância da adoção das medidas protetivas.
“Não vai ser, certamente, a adoção de penas mais severas que vai inibir a ocorrência de feminicídio e, sim, o implemento das medidas que já existem, principalmente na Lei Maria da Penha”, explicou.
Agressores não consideram consequências legais
A autora do livro “Política: substantivo feminino” e secretária-executiva da Câmara dos Deputados, Gabriela Sabino, ressaltou que a nova mudança pode sobrecarregar ainda mais um sistema penal já saturado, além de enfrentar desafios na reintegração de detentos. Ela destaca que aumentar a pena “é um avanço, mas, na prática, é apenas uma parte da resposta”.
“Muitos agressores não consideram as possíveis consequências legais no momento do ato, e muitas vítimas não denunciam por conta do preconceito e da falta de celeridade no processo. Medidas de conscientização e prevenção, assim como proteção eficaz para as vítimas, tendem a ser também eficazes no processo”, destaca Sabino.
A nova pena pode aumentar a disparidade entre crimes violentos e influenciar a jurisprudência, além de mudar a forma como o Judiciário lida com crimes de gênero, trazendo mais rigidez no tratamento do feminicídio, de acordo com Sabino. Ela destaca que, “o que não pode acontecer é o desestímulo às denúncias por conta da morosidade. Uma a cada dez mulheres que sofreram violência consegue denunciar, esse já é um número baixíssimo, não temos hoje uma visão real sobre o assunto.
Por Giovanna Pécora
Fonte: metropoles.com