O caso e as principais inconsistências apontadas
Entre as questões mais polêmicas do ENAM II está a de número 65, que trata de um pedido de autorização judicial para continuidade de atividade empresarial em caso de falecimento de empresário individual. O enunciado apresentou uma confusão conceitual entre empresário individual e sociedade empresária, contrariando de forma explícita o entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça (STJ) no REsp 1.682.989/RS. De acordo com especialistas, essa confusão revela uma falha grave na elaboração da questão, que deveria ter sido corrigida no gabarito definitivo.
Apesar disso, a banca examinadora defendeu que “não há vício material” na questão, argumentando que a redação estaria em conformidade com os critérios do edital. No entanto, a ABPC discorda, destacando que a questão fere não apenas a lógica jurídica, mas também a exigência de alinhamento com a jurisprudência dominante, estabelecida como critério obrigatório para a elaboração das questões.
Outra questão controversa abordou os conceitos de overruling e signaling, confundindo institutos distintos que possuem definições bem delimitadas na jurisprudência do STF (ARE 1.316.389/AL). Especialistas apontam que a confusão é tão evidente que poderia ser identificada até mesmo por acadêmicos de direito em fase inicial.
Além disso, outras questões, como as de números 3, 9, 44 e 51, também foram alvo de críticas:
• Questão 3: Ignora que partidos políticos com representação no Congresso Nacional possuem legitimidade para propor Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), contrariando o disposto no artigo 2º, VIII, da Lei 9.868/99 e jurisprudência do STF.
• Questão 9: Apresenta confusão conceitual entre overruling e signaling, dois institutos com definições bem estabelecidas no STF (ARE 1.316.389/AL).
• Questão 51: Trata-se de uma situação envolvendo perdas e danos em um contrato de compra e venda, mas não segue critérios de reparação previstos no Código Civil nem a doutrina predominante.
Uma nova controvérsia: a Questão 14
Outra questão que gerou críticas contundentes foi a de número 14, que trata da interpretação da Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) no contexto da decretação de prisão temporária. Segundo especialistas, o enunciado incorretamente restringiu a fundamentação dessa medida cautelar ao artigo 1º, inciso III, da Lei 7.960/1989, ignorando o disposto no artigo 2º, § 4º, da Lei 8.072/90.
De acordo com a ABPC, a questão apresentou o seguinte equívoco:
“A decretação da prisão temporária reclama SEMPRE a presença do artigo 1º,
inciso III, da Lei nº 7.960/1989.”
Essa afirmação desconsidera que o artigo 2º, § 4º, da Lei 8.072/90, admite a prisão temporária para crimes hediondos e equiparados, com prazos maiores (30 + 30 dias), mesmo que o crime não esteja listado na Lei de Prisão Temporária. A redação, portanto, demonstra desconhecimento dos fundamentos legais que autorizam a prisão temporária, tornando incorreta a restrição apresentada.
A ABPC destacou que questões desse tipo não apenas violam a literalidade das leis aplicáveis, mas também comprometem a clareza necessária em um exame de alta relevância jurídica.
Conclusão sobre as falhas no ENAM II
A ABPC sustenta que essas inconsistências, além de gerar insegurança jurídica, violam o princípio de previsibilidade exigido em provas objetivas. “Prova objetiva tem que observar entendimento dominante, e não doutrinas não unânimes”, afirma a nota da associação.
Por fim, a ABPC também ressaltou que:
“A jurisprudência do STJ e a letra da lei devem ser respeitadas em provas
objetivas, especialmente em exames de tamanha relevância como o ENAM, que
serve de parâmetro para a formação de magistrados.”
As críticas e os recursos apresentados visam não apenas a correção das questões pontuais, mas também a garantia de que o processo avaliativo esteja em conformidade com os critérios legais e doutrinários estabelecidos no edital. A associação já protocolou um requerimento administrativo junto à ENFAM, solicitando a reconsideração do gabarito e uma revisão criteriosa, buscando restabelecer a confiança e a segurança jurídica no exame.
Impacto para os candidatos e o meio jurídico
As falhas no gabarito do ENAM II afetam diretamente os candidatos, gerando desconfiança no processo avaliativo. Segundo a ABPC, o problema não está apenas nas questões específicas, mas também em uma falha estrutural no processo de elaboração e revisão do exame.
Esses erros podem abrir precedentes para judicialização dos resultados, prejudicando o cronograma e a credibilidade do exame. Além disso, a falta de correções pode criar uma sensação de injustiça, uma vez que questões com erros materiais ou conceituais não foram anuladas, mesmo diante de recursos apresentados.
A ABPC já protocolou requerimentos administrativos junto à ENFAM, exigindo que os erros sejam corrigidos e que o processo seja conduzido com mais transparência e rigor. Também tem promovido mobilizações públicas para pressionar as instituições responsáveis a oferecerem uma resposta concreta e justa.
Considerações finais
A controvérsia envolvendo o ENAM II destaca a necessidade de maior transparência e rigor técnico na elaboração de provas para selecionar futuros operadores do direito. A FGV e a ENFAM têm a responsabilidade de garantir que os exames respeitem os critérios técnicos e estejam alinhados à jurisprudência e à legislação vigente.
Enquanto aguardam uma resposta oficial das instituições, candidatos e entidades como a ABPC seguem pressionando por justiça no processo. Caso as revisões não sejam realizadas, é possível que a questão ganhe contornos judiciais, ampliando o debate sobre a necessidade de reformulação nos procedimentos avaliativos.
Nota de Repúdio da ABPC ao Gabarito do ENAM II
Empresário individual não é sociedade empresária! (STJ REsp: 1.682.989/RS, Rel. Min. Herman Benjamin)
• Overruling não é signaling! (STF - ARE: 1.316.389/AL, Rel. Min. Luiz Fux)
• Partido político com representação no Congresso tem legitimidade para propor ADI! (art. 2º, VIII, da Lei 9.868/99 e STF, ADI 109-4, Rel. Min. Paulo Brossard)
• Prova objetiva tem que observar entendimento dominante (doutrina está longe de ser unânime em relação ao conceito de "equivalente" em matéria de direito das obrigações)
• Jurisprudência do STJ e letra de lei devem ser observadas em prova objetiva!
O gabarito definitivo do ENAM II, divulgado em 19 de novembro pela FGV, causou perplexidade entre candidatos, professores e especialistas do direito. Diversas questões (3, 9, 44, 51 e 65, da prova tipo 1) apresentam erros graves, incluindo contrariedade a dispositivos legais, cobrança de entendimentos não majoritários (em desacordo com o edital) e confusões conceituais inaceitáveis.
Destacamos a questão 65, que exemplifica uma verdadeira aberração jurídica ao confundir conceitos básicos de empresário individual e sociedade empresária. Apesar dos diversos recursos apresentados, a banca manteve sua posição, alegando que sequer há erro material, mesmo diante de um entendimento unânime na doutrina e na jurisprudência sobre o tema.
Além disso, a questão apresenta duas alternativas corretas, reforçando a inconsistência apontada. O lapso é tão evidente que surpreenderia até mesmo acadêmicos de direito em fase inicial.
Diante desse cenário, foi protocolado um requerimento administrativo à ENFAM e divulgado nas redes sociais, solicitando uma análise urgente e a reconsideração do gabarito, sendo uma questão de justiça.
Por fim, vale ressaltar que essas não são as únicas questões com problemas na prova do ENAM II, apenas uma seleção dos piores erros para o requerimento administrativo mencionado.