Juíza nega soltura de PM que executou homem em mercado: ‘modus operandi violento e descontrolado’

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Via @portalg1 | A Justiça negou o pedido de liberdade provisória do policial militar Vinicius de Lima Britto, que executou pelas costas um jovem negro em frente a um mercado Oxxo na Zona Sul de São Paulo em 3 de novembro. A decisão é da juíza Michelle Porto de Medeiros Cunha Carreiro, da 5ª Vara do Júri, desta segunda-feira (9).

O assassinato do jovem Gabriel Renan da Silva Soares não é o único episódio letal durante a carreira de Vinicius. Ele também é investigado pela morte de dois homens em São Vicente, no litoral de São Paulo, em um assalto. Na avaliação da magistrada, esse histórico é indicativo de "um modus operandi violento e descontrolado".

"Não houve nenhuma alteração do panorama fático já existente por ocasião da decretação da custódia que pudesse levar à interpretação de que a prisão é medida inadequada no caso concreto. Ao contrário, a prova que veio aos autos após a recente decisão de recebimento da denúncia, em verdade advoga contra o réu, já que indica que ele em duas outras ocasiões no último ano envolveu-se em ocorrências policiais com resultado morte (bastante assemelhadas ao caso dos autos, aliás, em especial se for considerada a grande quantidade de projéteis que atingiram as vítimas)", disse a juíza.

A defesa de Vinicius também solicitou a decretação do sigilo do processo. O pedido também foi negado pela Justiça.

Na última sexta-feira (6), o policial militar foi levado para o Presídio da Polícia Militar Romão Gomes após passar pela audiência de custódia. A reportagem tenta contato com a defesa de Vinicius.

A prisão aconteceu somente um mês após o crime quando as imagens de câmera de segurança do mercado, que flagraram a execução, vieram a público.

No dia, a prisão do PM foi comemorada pela defesa da vítima.

"A prisão dele é muito importante porque, assim, a gente acredita que existe Justiça. Sabemos que ainda tem muita, muita coisa acontecer, mas já nos dá uma esperança de que o caso do Gabriel não vai ser mais um caso isolado, que a gente começa a combater essa política de extermínio que tem sido praticada nas periferias contra os jovens negros", disse a advogada da família e tia de Gabriel, Fatima Taddeo.

No pedido de prisão feito à Justiça, o Ministério Público argumentou que "está provada a existência do crime e existem indícios suficientes de autoria" e ressaltou que a liberdade do acusado "põe em risco a ordem pública e prejudicará a instrução processual", que é a fase em que são colhidos depoimentos e coletadas provas, pois poderá deixar as testemunhas com medo de falar.

A Procuradoria ainda afirmou ainda que o PM "praticou homicídio qualificado" e "efetuou diversos disparos contra a vítima pelas costas, que estava completamente desarmada e indefesa. Indicando, portanto, dolo exacerbado e brutalidade na prática do delito por ele intentado".

Como foi o crime

Pelas imagens, obtidas pelo g1, Gabriel Renan da Silva Soares, que vestia um moletom vermelho com capuz, entrou no mercado no bairro Jardim Prudência.

Em seguida, ele andou até a seção de limpeza, onde pegou quatro pacotes de sabão de rouba. Na fuga, ele escorregou num pedaço de papelão na porta do estabelecimento e caiu no chão do estacionamento.

O policial estava no caixa pagando pelas compras, quando percebeu a ação. Vinicius sacou a arma e atirou várias vezes pelas costas de Gabriel, que tentava fugir. O jovem morreu no chão do estacionamento. Segundo o boletim de ocorrência, foram encontradas 11 perfurações pelo corpo dele.

No depoimento na delegacia, o PM disse que Gabriel estava armado e com a mão no bolso do moletom, razão pela qual ele atirou. Vinicius alegou que agiu em legítima defesa. Contudo, não é o que as imagens mostram.

Gabriel foi morto morto pelas costa pelo PM em frente a mercado na Zona Sul de SP — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

'Um menino doce que amava a família'

A mãe do jovem, Silvia Aparecida da Silva, disse ao g1 que o filho era usuário de drogas e lutava contra o vício há alguns anos.

"Gabriel era um menino doce, meigo e sonhador. Me falava que ia dar uma casa. Ele só tinha 26 anos. Uma vida inteira pela frente [...] Eu estou destruída por dentro. Tenho problema no coração, uso marca-passo. Estou sofrendo muito, é uma dor não tem como explicar. Só sei que dói ter perdido meu filho", desabafou Silvia.

O jovem morava com a mãe e os dois irmãos próximo ao mercado Oxxo. Ela percebeu que Gabriel não havia voltado para casa por volta das 5h de segunda (4).

O irmão de Gabriel contou à mãe que passou pelo mercado por volta da meia-noite e viu uma pessoa morta no chão coberta por uma lona: "a bota era igual do meu irmão".

Silvia chegou a ir trabalhar, porém como Gabriel não apareceu, decidiu procurá-lo pelo bairro com o ex-marido. Ao chegar no mercado, um funcionário informou aos pais que "mataram um nóia". Foi neste momento que Silvia e Antônio descobriram a morte do filho.

“Foi muito covarde. Podia ter levado preso. Existe cadeia para isso que é o procedimento, porque você ter uma arma Glock .40. Um tiro só já faz um estrago", disse Silvia indignada.

Para a família, a versão apresentada pelo policial militar e pelo atendente do mercado é contraditória. Eles afirmam que Gabriel não fugiu após ser baleado e ainda se voltou contra o agente. “Se você tomar um tiro, qual é a sua reação? Sair correndo, não voltar para o local que o cara está atirando”, afirma o pai.

Reprovado em teste psicológico

Britto foi reprovado no exame psicológico do concurso da Polícia Militar em 2021, quando tentou ingressar na corporação pela primeira vez.

Segundo o resultado da avaliação, Vinicius apresentou "inadequação" aos critérios exigidos no perfil psicológico para o cargo de soldado nos seguintes requisitos:

• relacionamento interpessoal adequado;

• capacidade de liderança;

• controle emocional.

A informação foi divulgada inicialmente pelo site "O Joio e O Trigo" e confirmada por fontes do g1 e da GloboNews.

Após ser reprovado, Vinicius entrou com uma liminar contra a Fazenda Pública de São Paulo para contestar o resultado.

Cerca de três meses após a extinção do processo, Vinicius foi aprovado em um segundo concurso para soldado da Polícia Militar, em novembro de 2022.

Questionada sobre o motivo pelo qual Vinicius conseguiu ser aprovado, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou que "não há impedimento legal para uma pessoa prestar um novo concurso para a Polícia mesmo após ter sido reprovado anteriormente".

Por Léo Arcoverde, Letícia Dauer, Norma Odara, GloboNews e g1 SP — São Paulo
Fonte: g1

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