Mesmo com ordem judicial e multa diária de R$ 5 mil, plano de saúde não autoriza cirurgia de paciente com c4nc3r

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Via @portalg1 | Nos últimos meses, a gerente de marketing Laís Santos tem enfrentado duas batalhas pela sua vida: uma contra um câncer em estágio avançado, e outra na Justiça contra o plano de saúde que se negou a autorizar o procedimento que pode salvá-la.

Natural de Pernambuco, Laís tem 31 anos e vive em Fortaleza, no Ceará, desde setembro de 2021. No início de 2023, ela percebeu um caroço no pescoço e foi orientada por amigos a realizar exames médicos. Em abril, Laís foi diagnosticada com um Linfoma de Hodgkin em estágio 4.

Desde então, ela foi submetida a diversas sessões de quimioterapia e de imunoterapia, com objetivo de causar a remissão da doença. Nos últimos meses, a imunoterapia ajudou a estabilizar o quadro clínico, o que proporcionou condições para que ela fosse submetida a um transplante de medula óssea - que os médicos consideram a melhor alternativa para salvar sua vida.

No caso de Laís, o procedimento é um transplante autólogo, quando a própria medula do paciente é retirada, tratada e reimplantada. É esta cirurgia que ela tenta conseguir, na Justiça, que a operadora de saúde pague.

Desde março de 2024, Laís tem procurado autorização do plano de saúde para realizar, pelo plano, procedimentos relacionados ao tratamento oncológico. Em novembro, a Justiça concedeu a tutela de urgência para Laís e deu o prazo de 5 dias para a seguradora de saúde emitir a autorização para a cirurgia de transplante.

O prazo venceu na última sexta-feira (3), e até agora a autorização não foi emitida. O plano de saúde afirma que recorreu da decisão e que, caso haja uma decisão em última instância determinando a realização do procedimento, irá acatar. (Leia mais abaixo sobre o posicionamento da empresa.)

Desde então, a pernambucana tem usado as redes sociais para denunciar o descumprimento da ordem judicial e tentar chamar atenção para o problema. "Estou extremamente angustiada. Eu luto para viver. Se tem uma pessoa que quer viver, sou eu. Eu dou minha cara à tapa", disse ao g1.

A reportagem entrou em conta com a operadora Livsaúde, da qual Laís é cliente, e questionou os motivos da recusa. Em nota, a empresa afirmou que "no momento, há recurso interposto da decisão do Tribunal de Justiça tanto pela operadora quanto pela própria beneficiária", e que "havendo decisão final no sentido de que a operadora arque com o transplante, não nos furtaremos ao cumprimento de determinação judicial".

Entrada no plano e descoberta da doença

Laís já passou por duas quimioterapias e agora luta para conseguir um transplante — Foto: Arquivo pessoal

Segundo relatou à reportagem, em fevereiro de 2023 Laís decidiu ingressar no plano de saúde empresarial disponível no local onde ela trabalha, e assinou o contrato em 8 de março. No dia 14 de abril, ela recebeu o diagnóstico do linfoma.

Àquela altura, devido ao período de carência, ela não pôde utilizar o plano e acabou realizando o tratamento por inteiro no Sistema Único de Saúde (SUS). Em novembro, as sessões de quimioterapia foram concluídas, e a pernambucana chegou a comemorar o fim do tratamento.

Os médicos solicitaram a realização de um exame de imagem chamado PET scan, que pode apontar se o câncer avançou ou entrou em remissão. Foi então, de acordo com Laís, que ela tentou usar o plano da Livsaúde pela primeira vez para o tratamento. Ao solicitar a realização do exame, no entanto, teve a autorização negada.

Ela conta que foi chamada até a sede da empresa, no Centro de Fortaleza, onde conversou com dois funcionários que informaram que, se ela estava doente na época em que fez o plano de saúde - mesmo sem ter recebido o diagnóstico ainda - poderia ser acusada de má-fé, e seria necessário que ela assinasse um termo de "doença preexistente", indicando que ela já tinha o problema antes.

"Eu fragilizada, tinha acabado de sair de uma quimioterapia sozinha, comecei a chorar. E aí, eu disse, 'moça, pelo amor de Deus, eu não sabia que eu estava doente. Eu preciso fazer o exame para saber se eu estou curada'. E aí, ela disse, 'olha, a gente não pode autorizar'", afirma Laís. "Ela disse, 'olha, o que a gente sugere a você? Que você assine o termo de doença preexistente. E aí, tem uma carência de mais dois anos, que já passa"

A partir desse episódio, o plano passou a recusar todos os pedidos subsequentes de Laís. Isso porque o termo de doença preexistente estabelece uma carência de 24 meses para pacientes com problemas de alta complexidade, como o câncer. Portanto, ela só teria direito a procedimentos simples, como exames de sangue.

Para realizar o exame PET scan solicitado pelos médicos em novembro de 2023, ela precisou abrir um financiamento online e, com a ajuda de amigos, pagou o exame em janeiro de 2024. O resultado mostrou que o câncer continuava no organismo da gerente de marketing.

Imunoterapia e a possibilidade de transplante

O organismo de Laís Santos reagiu bem à imunoterapia, o que propiciou as condições para o transplante — Foto: Arquivo pessoal

Em março de 2024, Laís acionou a Justiça para garantir que o plano pagasse pela nova quimioterapia a que ela precisaria se submeter. Mas, em abril, sem poder esperar, ela começou a nova rodada de quimioterapia pelo SUS.

Após duas rodadas de quimioterapia e várias reações adversas, o tratamento foi interrompido em maio. Ela precisou realizar outro PET scan - também negado pelo plano -, mas desta vez conseguiu na rede pública. O resultado mostrou que o câncer estava ainda mais agressivo.

"O câncer tinha se infiltrado os meus ossos, eu já tava com metástase óssea, eu tava sentindo muitas dores, eu não tinha tomado efeito, eu não tava andando, eu tava tendo muito dor, muito febre, então eu vivia a base de morfina, tomava morfina e comprimido, e usava um adesivo de morfina pra poder viver", conta.

A equipe médica que acompanha Laís sugeriu, então, tentar a imunoterapia. Diferente da quimioterapia, que é voltada para eliminação das células cancerígenas, a imunoterapia tem como objetivo fortalecer o sistema imunológico do paciente para tentar combater ou frear o avanço da doença.

O tratamento é de R$ 40 mil por ciclo, e com um limite de três ciclos por paciente. Laís precisou novamente de um financiamento coletivo para pagar o tratamento, que foi igualmente recusado pela Livsaúde.

"Eu sabia que eu ia precisar de um transplante de medula óssea se a imunoterapia fizesse efeito. E graças a Deus, a imunoterapia fez o efeito esperado e estabilizou o tumor pra que eu possa ir o transplante. Só que essa imunoterapia que eu tomo não tem fim de cura, ela tem um prazo. Eu não posso tomar ela durante muito tempo porque eu corro o risco do câncer voltar. Eu tenho um máximo de aplicação. Na minha terceira aplicação, que foi em setembro, foi quando eu recebi o resultado, que deu uma boa resposta, já era pra eu ter entrado pro transplante", explica. — Laís Santos

O corpo da pernambucana reagiu bem à imunoterapia, o que deixou o organismo dela apto a passar pelo transplante de medula óssea autólogo - considerado a melhor alternativa para salvar a dela.

O pleito inicial de Laís na Justiça, iniciado em março, chegou a ser recusado pela 13ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza, que julgou improcedente o pedido dela para o plano pagar o tratamento uma vez que a paciente tinha assinado o termo de doença preexistente.

Laís recorreu da decisão e, no dia 19 de novembro, obteve no Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) uma decisão favorável para obrigar a empresa a arcar com os custos do procedimento.

"Fica evidenciado que a negativa de cobertura pela operadora de saúde caracteriza-se como prática abusiva, violando direitos fundamentais da consumidora e expondo-a a graves riscos à saúde e à dignidade. Além disso, os relatórios médicos mais recentes anexados [...] demonstram a necessidade urgente da continuidade do tratamento quimioterápico, assim como do transplante de medula óssea autólogo, procedimentos essenciais para preservar a vida da autora", escreveu o desembargador Francisco Lucídio de Queiroz no parecer do caso.

A decisão favorável ao pedido de Laís foi oficialmente publicada no dia 29 de novembro, dando um prazo de cinco dias úteis para o plano emitir a guia de autorização, sob pena de multa diária de R$ 5 mil. O prazo encerrou no dia 3 de dezembro, e até agora, conforme Laís, não houve nenhuma resposta do plano.

No último fim de semana, ela publicou um vídeo nas redes sociais em que fala da angústia que tem enfrentado enquanto espera uma resposta da seguradora. "A gente que tá passando por um processo oncológico quer passar pelo nosso processo pelo menos com o mínimo de conforto, com o aparo de dizer 'ó, tá doente, mas a gente vai cuidar de você'. E nem isso eu posso ter", lamenta. "Só estou pedindo meu direito de me tratar e ficar viva", comentou.

Ao g1, a Livsaúde destacou que o pedido inicial de Laís chegou a ser recusado pela Justiça, uma vez que "a beneficiária assinou documento reconhecendo que não havia cobertura para procedimentos de alta complexidade, nem procedimentos cirúrgicos relativos a doenças preexistentes".

"Em acréscimo, esclarece-se que não há risco para o tratamento da paciente, cuja quimioterapia foi finalizada recentemente e irá realizar uma série de procedimentos imprescindíveis para garantir a concretização do transplante com a máxima segurança", afirmou a empresa.

Por Leonardo Igor de Sousa, g1 CE
Fonte: g1

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