Além de atentar contra os direitos humanos garantidos a brasileiros em solo nacional, as autoridades podem ter desrespeitado a própria Constituição brasileira.
A lista foi informada ao blog pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski.
"Cidadãos brasileiros contra os quais nada pesava criminalmente, ao pisar em solo brasileiro , estavam sob a proteção de tratados internacionais, da Constituição, da súmula 11 do STF [que regula uso de algemas], e da portaria do MJ sobre uso progressivo da força, que também tem artigo sobre algemas” , disse o ministro.
O governo brasileiro informou neste fim de semana que pedirá esclarecimentos oficiais aos Estados Unidos. No fim de semana, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, também protagonizou embate público com Donald Trump sobre o tema.
As regras violadas
Entenda o que dizem as regras que, segundo Lewandowski, podem ter sido violadas:
• Constituição Federal: em vigor desde 1988, o texto define, já no artigo 1º, a "dignidade da pessoa humana" com um dos fundamentos do estado democrático de direito no Brasil. Em vários outros trechos, defende os direitos humanos e a dignidade para todos os brasileiros.
• Tratado de deportação: a versão mais recente foi assinada em 2017, no primeiro governo Donald Trump e durante a presidência de Michel Temer no Brasil. O texto foi uma saída para evitar que brasileiros ficassem por longos períodos nos centros de detenção dos EUA – mas, segundo o Itamaraty, também foi desrespeitado agora.
• Súmula 11 do STF: o texto regula o uso de algemas em todo o país – e diz que o dispositivo só pode ser empregado se houver resistência, risco de fuga ou alta periculosidade;
• Portaria de uso progressivo da força policial: o texto, assinado recentemente pelo Ministério da Justiça, também define regras para as algemas.
EUA usam algemas e correntes; Brasil, não
Os Estados Unidos têm como política interna algemar estrangeiros que são deportados por estarem no país em situação irregular – e saída desses voos é feita de acordo com as leis internas.
Qualquer movimentação em solo brasileiro (ou em voos que decolam já do Brasil), no entanto, deve estar submetida às regras brasileiras. Foi o caso do voo de Manaus a Belo Horizonte, no sábado, após a aeronave que saiu dos EUA enfrentar problemas técnicos.
Ou seja: a partir do pouso do primeiro avião envolvido, vale a regra brasileira. Que, neste caso, proíbe o uso de algemas e correntes por identificar um "tratamento degradante" dos envolvidos.
A Súmula 11 do STF, por exemplo é clara.
"Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado."
Voo fez pouso de emergência
Desde que o acordo de deportação entrou em vigor, ainda em 2017, o Brasil já recebeu dezenas de voos com brasileiros em situação irregular "expulsos" dos Estados Unidos.
Em 2024, foram 1.648 brasileiros deportados – 33% a mais que em 2023, segundo a PF. O número não inclui quem foi barrado ao chegar nos EUA e nem chegou a permanecer no país.
A diferença, dessa vez, foi que o avião enfrentou problemas técnicos e teve de pousar antes do previsto, em Manaus (AM). A previsão inicial era de que o voo chegasse ao Aeroporto Internacional de Confins, na região metropolitana de Belo Horizonte.
Segundo o Ministério da Justiça, equipes da Polícia Federal foram orientadas a receber os brasileiros em Manaus. E repassaram as informações sobre o tratamento degradante ao diretor-geral da PF, Andrei Passos, que passou o caso a Lewandowski.
Informado, Lula determinou que um voo da Força Aérea Brasileira levasse o grupo de brasileiros no trajeto entre Manaus e Belo Horizonte – sem as algemas e correntes que eram defendidas pelas autoridades norte-americanas envolvidas no traslado.
Fonte: g1