PSOL diz ao STF que Nunes não cumpriu prazo e pede derrubada de muro na Cracolândia

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Via @portalg1 | O PSOL acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) nesta segunda-feira (20) pedindo a derrubada do muro construído pela Prefeitura de São Paulo na Cracolândia, no Centro da capital paulista. Segundo o partido, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) não apresentou as informações solicitadas pelo ministro Alexandre de Moraes no prazo de 24 horas determinado pelo tribunal.

A determinação foi na quinta-feira (16). A gestão Nunes afirmou que só recebeu a notificação no início da tarde desta segunda (20).

"A Prefeitura de São Paulo, por meio da Procuradoria Geral do Município, informa que recebeu a intimação do Supremo Tribunal Federal no início da tarde desta segunda-feira, 20, e se manifestará dentro do prazo estabelecido."

Também nesta segunda, Nunes minimizou a ação e disse achar "lamentável fazer com que um ministro do STF, com tanta ocupação," tenha que se manifestar sobre o caso.

O muro, de cerca de 40 metros de extensão e 2,5 metros de altura, na região da Santa Ifigênia, perto da estação da Luz, foi revelado pelo g1 e gerou forte repercussão. Antes, já havia tapumes de metal no local.

A prefeitura nega que o muro seja utilizado para confinamento, mas imagens e relatos indicam que os frequentadores são aglomerados atrás da barreira de concreto. A medida gerou críticas e mobilizou entidades e parlamentares, que a classificam como uma violação de direitos.

Ação no STF

Os parlamentares do PSOL argumentam que o muro isola socialmente a população em situação de rua, ferindo princípios constitucionais de igualdade, liberdade e acesso a direitos essenciais. A Defensoria Pública de São Paulo também recomendou, na quarta-feira, que a prefeitura remova o muro e os gradis da área.

De acordo com a Defensoria, as barreiras dificultam o acesso à água potável, banheiros e outras necessidades básicas. O órgão afirmou ainda que estratégias semelhantes já foram adotadas no passado sem comprovação de eficácia e classificou a medida como "arquitetura hostil", projetada para afastar a população em situação de rua.

O ministro Alexandre de Moraes, relator de ações relacionadas à Política Nacional da População em Situação de Rua no STF, deu prazo de 24 horas para que a prefeitura se manifestasse sobre o caso. Com o término do prazo, o PSOL reforçou o pedido de demolição do muro, alegando que as ações da gestão municipal configuram exclusão social e violação de direitos humanos.

O STF deverá avaliar os novos pedidos apresentados pelo PSOL e decidir se mantém ou derruba a estrutura construída pela prefeitura.

O que diz a Prefeitura de São Paulo

Imagens da Defensoria Pública de SP mostram os usuários colocados dentro da área cercada. — Foto: Divulgação/ DP-SP

A Prefeitura de São Paulo chegou a encaminhar cinco notas ao g1 em que afirma que o muro não é para confinamento e proporciona mais segurança aos frequentadores da Cracolândia.

• Na primeira nota, a prefeitura disse que o muro foi levantado para substituir o tapume que havia no local, que era constantemente danificado. "A ação favorece a segurança de moradores, trabalhadores e demais transeuntes."

• Na segunda, a gestão afirmou que a obra foi para melhorar as condições de atendimento às pessoas dentro do fluxo, "favorecendo o trabalho dos agentes de saúde e assistência social, garantindo segurança para as equipes e facilitando o trânsito de veículos."

• Na terceira nota, contestou as informações da reportagem e disse que o muro "foi instalado onde já existiam tapumes de metal para fechamento de uma área pública". Afirmou ainda que a troca foi realizada para proteger as pessoas em situação de vulnerabilidade, além de moradores e pedestres, e não para “confinamento”;

• Na quarta nota, disse mais uma vez que a área, chamada de "Espaço da Saúde" é para melhorar as condições de atendimento às pessoas mais vulneráveis dentro do fluxo.

• Na quinta, reiterou que "não há o que se falar em 'confinamento" e que a extensão do muro de alvenaria "erguido no ano passado, totalizando 40 metros, foi inferior ao de tapumes existentes inicialmente no local."

O que dizem especialistas

Para Cristiano Marona, do Conselho Municipal de Políticas Públicas de Drogas e Álcool da OAB, a área delimitada cria uma "estrutura prisional".

"As pessoas que estão naquele local, apesar de, em tese, terem o direito de liberdade preservado, na prática, elas estão submetidas a um regime quase prisional", disse.

Na avaliação dele, a justificativa da prefeitura de que se trata de uma medida para viabilizar o trânsito não se sustenta porque já estavam utilizando grades com essa finalidade.

"Ele tem, evidentemente, o objetivo de esconder o que está acontecendo ali. De tornar as violências cotidianas, institucionalizadas, estruturais, que fazem parte do modo como a prefeitura trata essas pessoas, algo invisível para quem não está dentro do muro", afirma.

Segundo Mauricio Stegemann Dieter, professor da Faculdade de Direito da USP, pelas imagens e relatos, é possível "visualizar uma potencial prática de uma série de crimes previstos no Código Penal e na legislação".

Ele explica que produzir obstáculos verticais e constranger a permanência de algum cidadão em um espaço pré-definido, sem determinação legal, podem caracterizar, a depender da situação concreta da ação efetiva, as seguintes situações:

• constrangimento ilegal;

• crime de ameaça;

• crime de perseguição;

• cárcere privado, embora não seja muito bem delineado pela possibilidade de saída;

• abuso de autoridade, que é exigir a obrigação que não está amparada em lei.

O professor de direito afirma ainda que, "se há uma obrigação imposta por uma opção estética, uma opção de alegada segurança, mas que não tem amparo em leis, que permita criar miniguetos, também se viola o artigo 5º, inciso 3º, de que ninguém vai ser submetido ao tratamento degradante".

Para Thiago Rodrigues, membro do Grupo de Estudos sobre os Novos Ilegalismos e professor da UFF, o muro demostra uma separação das pessoas que são "indesejáveis na sociedade".

"Os muros são historicamente construções de separação rígida entre quem é desejado e quem é indesejado", afirma.

Vista do muro que a Prefeitura de São Paulo construiu na Cracolândia, no centro da cidade — Foto: Werther Santana/Estadão Conteúdo

Por Márcio Falcão, Deslange Paiva, TV Globo e g1 SP — Brasília
Fonte: g1

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