Decisão é do juiz do Trabalho Leonardo Campos Mutti, da 30ª vara do Trabalho do Rio de Janeiro/RJ, que condenou os empregadores, mãe e filho, ao pagamento de R$ 600 mil por danos morais individuais, além de todas as verbas trabalhistas referentes ao período de janeiro de 1967 a maio de 2022.
Caso é considerado pelo MPT/RJ - Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro o mais longo de alguém em situação de escravidão contemporânea no Brasil desde o início do registro histórico em 1995.
Entenda
O caso foi identificado em 2022 durante uma diligência realizada pelo MPT/RJ, em conjunto com a Superintendência Regional do Trabalho do Rio de Janeiro e o Projeto Ação Integrada.
A vítima, uma idosa de 85 anos à época, foi explorada desde os 12 anos e submetida a condições degradantes, sem receber salário ou direitos trabalhistas, em um ciclo de exploração que envolveu três gerações da mesma família empregadora.
Relatos apontam que a idosa não possuía autonomia sobre sua vida, tinha os documentos controlados pelos empregadores e era privada de direitos básicos, como liberdade de locomoção, estudo e lazer.
Além disso, foi constatado que a vítima vivia em um espaço improvisado dentro da residência, dormindo em um sofá, e realizava tarefas domésticas sem remuneração por longos períodos.
Depoimentos de vizinhos, testemunhas e os próprios réus reforçaram a submissão da idosa a condições de servidão. Durante a investigação, foi identificado que a vítima sequer tinha acesso à sua aposentadoria, controlada pelos réus para cobrir despesas pessoais.
Sentença
Ao avaliar a ação, o juiz destacou as graves violações cometidas contra a dignidade da vítima.
"Consoante já destacado, a Sra. ------ trabalhou ao longo de praticamente toda a sua vida com dedicação exclusiva e integral aos réus, em prejuízo de sua própria vida e de seu pleno desenvolvimento como pessoa, sem receber salário ou qualquer outro direito trabalhista, sem liberdade, submetida a condições degradantes de trabalho e a todo tipo de restrição, sendo privada até mesmo de ter a plena consciência de que era vítima de grave ilicitude praticada pelos réus."
O juiz ressaltou ainda que as condições enfrentadas pela vítima "configura tratamento desumano e degradante em clara violação aos princípios da dignidade da pessoa humana."
O magistrado destacou que o caso transcende a esfera individual e representa uma grave violação de direitos humanos enraizada em desigualdades estruturais.
"A dramática e inaceitável situação da Sra. ------ também foi objeto de análise pelo projeto PARTE, que elaborou o relatório, destacando que o caso em análise reflete um padrão de exploração do trabalho feminino, marcado por questões de raça e classe, com raízes históricas na escravidão colonial."
Na decisão, foi reconhecida a responsabilidade dos réus pelo contexto de exploração e controle imposto à vítima, caracterizando uma situação que vai além da esfera trabalhista.
"O comportamento do empregador, ao tentar obstruir a fiscalização e controlar a vítima, demonstra a consciência da ilicitude de seus atos e a intenção de manter a exploração da trabalhadora."
Por fim, o juiz determinou que os empregadores regularizem o vínculo empregatício da trabalhadora na Carteira de Trabalho e realizem o pagamento de todos os direitos trabalhistas retroativos, incluindo salários, férias, 13º salário e FGTS, referentes ao período de serviços prestados.
Também foi fixada uma indenização por danos morais individuais em R$ 600 mil e por danos morais coletivos em R$ 300 mil. O caso será comunicado a órgãos como o INSS, Ministério do Trabalho e Justiça Federal para a adoção de providências administrativas e penais cabíveis.
Processo: 0101128-24.2022.5.01.0007
Da Redação
Fonte: https://www.migalhas.com.br/quentes/424726/empregada-escravizada-por-70-anos-tem-vinculo-trabalhista-reconhecido