Ele é investigado pela compra de duas fazendas por R$ 33,5 milhões em Goiás. O Ministério Público Federal (MPF) aponta que o patrimônio do servidor público é incompatível com a renda e pede a aposentadoria compulsória do juiz – punição máxima na magistratura.
Alderico Rocha Santos afirma que as provas usadas contra ele teriam sido coletadas pelo empresário Carlinhos Cachoeira, que chegou a ser preso em 2012 por ordem do magistrado. Em áudio enviado à sobrinha, identificada como Cleidiane, o juiz investigado diz:
“Cleidiane, tudo bem? Você tá boa, filha? Hoje fiquei satisfeito. Sua mãe falou que resolveu tudo entre vocês, só falta a questão da terra. E eu fiz todo um trabalho com o Clayton e com a Ana para que a situação fosse resolvida”. Na sequência, o juiz muda o tom, diz estar decepcionado com a sobrinha e ameaça revelar supostos segredos. Ouça abaixo.
“Hoje eu tive uma decepção tão grande com você. O que aconteceu? Cachoeira, na época que ele me expôs, eu não estava preparado para a situação. Aí eu fiquei sem defesa. Depois que ele fez tudo aquilo, eu falei: ‘De agora pra frente, Cachoeira, eu vou pegar no pé dele para saber tudo que está acontecendo’. E ao saber tudo que está acontecendo, hoje eu fiquei sabendo que você já veio duas vezes conversar com ele e está vindo na próxima semana trazer documentos contra mim. Dizem que ele já te mandou dinheiro”, acusou o magistrado.
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Para a procuradora Ana Paula Mantovani, juiz não comprovou fonte de recursos para comprar fazendas de R$ 33 mi/Reprodução |
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Carlinhos Cachoeira e Alderico Santos/Reprodução; Tribunal Regional Eleitoral/ Goiás |
“Você pode trazer o documento que você quiser, eu não tenho nenhum receio, não. A única situação que vai acontecer é que eu vou te expor publicamente, vou falar de uma sobrinha usuária de droga. Eles te chamam ‘cabelo de milho’, então com certeza foi você, que te chamam ‘cabelo de milho’, ‘cara de doidinha’. Então, a única coisa que vai acontecer é que vou te expor”, prosseguiu Alderico Rocha Santos.
Na mesma mensagem, o juiz emendou: “Quanto a mim, não se preocupe. Pode trazer o documento que você quiser, pode entregar para ele. Para quem você quiser entregar, pode, ok? Um abraço. Fica com Deus”. Em um segundo áudio, mais curto, Alderico Rocha Santos finaliza: “Eu tenho até foto da mala que você ganhou dele em dezembro”.
Juiz Alderico se manifesta
Em contato com a coluna, o juiz Alderico Rocha Santos disse que a sobrinha foi “aliciada” por Cachoeira para incriminá-lo em duas representações apresentadas ao MPF pelo empresário.
“Ele aliciou uma sobrinha dependente química (problema na família), pagando-lhe 5 mil por mês em troca de informações sobre mim e meus familiares. Ela deu o cano nele, repassando apenas informações falsas. Não encontrou nada de errado para repassar para ele. O Cachoeira fez duas representações contra mim no MPF, no mês de novembro, aduzindo apenas fatos falsos, por isso foram arquivadas no dia 31 de janeiro. A sobrinha falou para uma prima, por isso falei com ela e alertei sobre o risco a que ela estava expondo a família, entregando uma foto da família ao Cachoeira”, disse o juiz federal.
Cachoeira se manifesta
Já Carlinhos Cachoeira afirma que Rocha Santos teria ficado “bilionário” a partir do uso do cargo para obter vantagens. “Iniciei uma série de publicações com o objetivo de mostrar ao Brasil que Alderico Rocha Santos não é somente um juiz federal, mas um bilionário que conquistou seu patrimônio ao custo do achaque, do roubo de propriedades e do uso de todo o aparato público do Judiciário brasileiro para levar vantagem e tomar fazendas que jamais lhe pertenceram”, afirmou o empresário.
“Foi a partir desta reunião de documentos que eu mesmo publiquei suas falcatruas e, posteriormente, entreguei na íntegra para o Ministério Público Federal e para o Conselho Nacional de Justiça. Espero que, depois de aposentá-lo, o CNJ e o MPF prossigam para identificar e punir todos os que contribuíram, ajudaram e lucraram com as ações de Alderico. Afinal, algo que já se sabe é que ele não agia sozinho”, concluiu Cachoeira.
Troca de acusações
Além do Processo Administrativo Disciplinar (PAD), que pode resultar em sua aposentadoria compulsória, o juiz federal responde a uma ação por ameaça a funcionários e à proprietária da fazenda, também em áudios enviados pelo aplicativo e anexados ao processo.
O empresário Carlinhos Cachoeira já se manifestou sobre as acusações de ameaça atribuídas a Rocha Santos contra as testemunhas. Ele afirma que o magistrado tem patrimônio de R$ 1 bilhão e age “ao arrepio da lei”. “O juiz federal afastado Alderico Rocha Santos age ao arrepio da lei como se não tomasse conhecimento do CNJ [Conselho Nacional de Justiça] e do MPF [Ministério Público Federal]. Agora ele faz ameaças para intimidar vítimas e possíveis testemunhas de seus atos”, afirmou Cachoeira.
No ano passado, após a divulgação do PAD, Rocha Santos enviou ofício à Corregedoria do MPF acusando Cachoeira de tê-lo ameaçado dizendo que iria “desmoralizá-lo publicamente”. “Este comunicante [Alderico] informa que em 2012, após decretar a prisão e condenar Carlos Augusto de Almeida Ramos, vulgo Carlos Cachoeira, e mais cerca de 50 policiais, o mesmo mandou a este requerente o recado de que ‘um dia’ iria desmoralizá-lo publicamente”, escreveu o juiz, referindo-se à Operação Monte Carlo, em 2012.
Jogador da Seleção
A investigação do MPF começou a partir da denúncia feita pela proprietária de uma das fazendas, Adriane Campos, comprada por R$ 15 milhões. Ela anexou ao processo conversas que manteve com o magistrado e comprovantes de depósitos feitos por terceiros para quitar a dívida, entre eles, uma transferência de R$ 4,1 milhões feita em nome do ex-jogador da Seleção Brasileira de futebol Arthur Melo.
As conversas entre Adriane Campos e Alderico Santos mostram vários desentendimentos envolvendo a compra da fazenda, motivados por atrasos nos pagamentos, pelos juros da negociação, pela entrega de comprovantes e pela retirada de pertences da ex-proprietária.
“Ô Adriane, cê pirou, cê tá com problema mental? Que eu passei hoje lá na agência e depositei inclusive dinheiro na sua conta, você tá louca falando que essa conta não é sua, você é anormal? Então tem todos os comprovantes de depósito, a conta é sua, tive lá, depositei. Inclusive, hoje foi depositado quase 5 milhões na sua conta”, diz o magistrado em um dos áudios enviados a Adriane.
Com base nas informações apresentadas, a procuradora Ana Paula Mantovani Siqueira pediu a aposentadoria compulsória do magistrado. Ela apontou o cometimento de “atos vedados à Magistratura (gestão de empresa), sucessivos atos escandalosos e atentatórios à dignidade, honra e ao decoro da função de juiz”. E, por fim, indicou o “uso dos contatos e da posição de juiz para fins privados”.
Juiz se defende
Em contato com a coluna, Rocha Santos rebateu a denúncia de enriquecimento ilícito. “Em 2004, 2005, eu já tinha 1.276 alqueires de terra, que eram três vezes mais do que a terra que eu tenho hoje, que é de 400 e poucos alqueires, que corresponde a R$ 33 milhões. E, em 1991, por questão de direito hereditário, minha mãe faleceu, eu já tinha uma fazenda lá no Maranhão”, disse.
“Eu fui advogado da Caixa Econômica, fui juiz estadual, procurador da República, trabalhei em bancos. Então, quando eu ingressei na Justiça Federal, meu patrimônio já era três vezes mais do que o que eu tenho hoje”, afirmou o juiz.
O magistrado também justificou a transferência de R$ 4,1 milhões feita pelo jogador Arthur Melo para quitar parte da compra da fazenda que pertencia a Adriane Campos. “Em 2003, eu adquiri uma chácara de sete alqueires na periferia de Goiânia. E, com o passar do tempo, ela valorizou porque duplicaram a rodovia e construíram o terminal de ônibus em frente à chácara. Aí eu vendi para um pessoal que não deu conta de pagar. Aí eu peguei a terra, e um corretor me procurou falando que o Arthur queria comprar. E eu vendi para o Arthur pelo mesmo preço que eu já tinha negociado”, disse Rocha Santos.
Em 2024, o juiz foi afastado pela Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) da função de juiz titular da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária de Goiás e escalado como auxiliar na 16ª Vara Federal.
Por Paulo Cappelli e Petrônio Viana
Fonte: metropoles.com