O caso teve origem em uma ação declaratória ajuizada por um cidadão representado por sua advogada contra um banco. O magistrado extinguiu a ação de plano, alegando tratar-se de "demanda predatória" com base em alegações de distribuição em massa de ações semelhantes por parte da advogada.
O TJ/SP, no entanto, anulou essa decisão e determinou o retorno do processo à primeira instância.
Durante a nova tramitação, o juiz designou audiência para depoimento pessoal do autor, estabelecendo que ele comparecesse presencialmente, mas restringindo a participação das advogadas ao formato remoto, o que foi interpretado como tentativa de distanciamento entre cliente e defesa técnica.
Segundo o voto do conselheiro Ulisses Rabaneda, na audiência o magistrado utilizou expressões ofensivas e intimidatórias, como "mentirosa", "não venha se fazer de santa", "vocês ficam procurando idosos" e "ninguém tem cara de palhaço aqui não".
Após o depoimento, o juiz julgou improcedente o pedido e determinou envio de comunicação à OAB, instauração de inquérito policial e aplicação de multa.
Posteriormente, o TJ/SP voltou a anular a decisão do juiz e, na terceira sentença proferida no caso, novamente houve improcedência. No julgamento de apelação, o Tribunal reformou a sentença e reconheceu a procedência da ação.
O conselheiro Ulisses Rabaneda apontou que as expressões utilizadas pelo magistrado, em um caso cujo desfecho confirmou o direito do autor, demonstraram conduta incompatível com a função judicial. Destacou ainda a proteção conferida pelo Estatuto da Advocacia, que exige tratamento respeitoso entre magistrados e advogados.
Em seu voto, entendeu ser necessário permitir que a Corregedoria Nacional avalie a possibilidade de celebração de TAC com o juiz envolvido.
A divergência foi acompanhada por diversos conselheiros. O conselheiro Rodrigo Badaró afirmou que o episódio não pode ser relativizado, considerando a gravidade das expressões e a necessidade de o CNJ dar uma resposta institucional, ainda que não punitiva.
O conselheiro Marcello Terto enfatizou que ações repetitivas não são ilícitas por si só e que a litigância em massa decorre, em muitos casos, da violação sistemática de direitos por entes privados ou públicos. Para ele, o juiz ultrapassou os limites da urbanidade e respeito, especialmente ao separar o autor de seus advogados e impedir o contraditório.
O presidente do CNJ e os conselheiros Mauro Martins, Daiane de Lira, Guilherme Caputo Bastos, Alexandre Berzosa Saliba, Daniela Madeira e Renata Gil também seguiram a divergência, destacando a importância de reafirmar valores como serenidade, urbanidade e respeito mútuo nas audiências judiciais.
O corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell Marques, reforçou que o objetivo não é punir o magistrado, mas promover uma reflexão institucional sobre a conduta esperada de todos os atores do sistema de Justiça.
Já o conselheiro Pablo Coutinho Barreto, relator vencido, defendeu a manutenção do arquivamento com base na apuração anterior do TJ/SP, que considerou o fato isolado e obteve do juiz compromisso de melhoria de conduta.
Para ele, não haveria teratologia ou ilegalidade flagrante que justificasse a revisão da decisão anterior. Argumento semelhante foi trazido pelos conselheiros João Paulo Schoucair e Guilherme Feliciano.
Com a proclamação do resultado, caberá à Corregedoria Nacional avaliar a possibilidade de firmar TAC com o magistrado, medida que não tem natureza punitiva, mas visa prevenir a reincidência e promover a melhoria da conduta funcional.
Processo: 0004690-62.2024.2.00.0000
Confira a decisão.
Da Redação
Fonte: https://www.migalhas.com.br/quentes/427086/cnj-ve-intimidacao-de-juiz-a-advogadas-em-audiencia-caso-vai-a-tac