Entre os muitos desaparecidos políticos da época, está Fernando Augusto Santa Cruz de Oliveira, preso por agentes do DOI-CODI em 23 fevereiro de 1974, aos 26 anos, e nunca mais visto. A ausência de Fernando atravessou gerações, marcando a trajetória de seu filho, Felipe Santa Cruz, advogado que presidiu a OAB entre 2019 e 2022.
Desaparecimento
A militância política de Fernando Augusto Santa Cruz de Oliveira começou em Pernambuco, em 1966, no movimento estudantil.
Em 1968, com a edição do AI-5, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde trabalhou no ministério do Interior. Em 1972, ingressou no curso de Direito da UFF - Universidade Federal Fluminense. No ano seguinte, deixou a faculdade e se mudou para São Paulo, onde passou a trabalhar no DAAE - Departamento de Águas e Energia Elétrica.
No sábado de Carnaval de 1974, antes de sair para um encontro com o amigo Eduardo Collier, no Rio de Janeiro, avisou ao irmão, Marcelo, que, se não voltasse até as 18h, teria sido preso.
O pressentimento se confirmou: ambos foram detidos por agentes do DOI-CODI/RJ e nunca mais foram vistos. Pouco depois, o apartamento de Eduardo foi invadido e seus livros confiscados. Fernando era casado com Ana Lúcia Valença, e pai de Felipe, então com dois anos.
Buscas
A primeira denúncia pública sobre o caso surgiu em 2 de março de 1974, nos jornais O Dia e O Globo, em um apelo de Marcelo Santa Cruz por informações.
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Notícia de desaparecimento de Fernando Santa Cruz foi publicada no jornal O Globo.(Imagem: O Globo) |
As mães de Fernando e Eduardo escreveram ao chefe da Casa Civil, general Golbery do Couto e Silva, e foram ao DOI-CODI/SP, onde um carcereiro confirmou a prisão e prometeu que poderiam visitá-los no domingo seguinte.
No entanto, ao retornarem, foram informadas de que os dois não estavam mais lá e receberam apenas os pertences dos filhos.
Diante das contradições, familiares denunciaram os desaparecimentos políticos em uma carta publicada na PUC.
As denúncias se espalharam e chegaram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, ao tribunal Bertrand Russell e ao Congresso Nacional.
Em agosto de 1974, as mães de Fernando e Eduardo foram recebidas pelo general Golbery em uma audiência intermediada por Dom Paulo Evaristo Arns, mas saíram sem respostas concretas.
Com a vitória da oposição nas eleições de 1974, o MDB propôs a criação de uma CPI sobre Direitos Humanos.
Apesar dos esforços, o desaparecimento de Fernando permaneceu sem esclarecimento por décadas.
Em 1992, uma ficha do DOPS/SP confirmou a prisão de Fernando em 23 de fevereiro de 1974, e um relatório da Marinha admitiu o desaparecimento. O documento foi noticiado pelo Jornal do Brasil, em uma edição de 1994.
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Periódico "Jornal do Brasil" noticiou que Marinha assumiu mortes ocorridas na ditadura militar.(Imagem: Jornal do Brasil) |
Em 2004, o sargento Marival Chaves revelou que Fernando estava entre os militantes da Ação Popular Marxista-Leninista eliminados em uma operação do DOI-CODI.
Novas revelações surgiram nos anos seguintes. Em 2008, a revista Carta Capital identificou o coronel Homero César Machado como um dos responsáveis pela tortura e desaparecimento de Fernando.
Em 2012, o delegado Cláudio Guerra afirmou que Fernando e outros presos políticos foram incinerados na Usina Cambayba, no Rio de Janeiro.
No ano seguinte, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça reconheceu oficialmente Fernando como anistiado político. Seu filho, Felipe Santa Cruz, declarou que aceitava o pedido de desculpas do Estado, mas ainda aguardava a confirmação das circunstâncias da morte do pai.
Fernando Santa Cruz teve seu nome incluído no anexo da lei 9.140/95, que reconhece a prisão e morte de desaparecidos políticos como responsabilidade do Estado.
Em 2015, a Comissão Nacional da Verdade concluiu que ele foi preso e morto por agentes da ditadura e segue desaparecido.
O relatório final recomendou a retificação da certidão de óbito e a continuidade das investigações para localizar seus restos mortais e responsabilizar os envolvidos.
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Fernando Santa Cruz foi uma das vítimas da ditadura militar brasileira.(Imagem: Reprodução/Comissão da Verdade/SP) |
Declarações de Bolsonaro
Em 2019, o então presidente Jair Bolsonaro fez declarações polêmicas a respeito do desaparecimento de Fernando Santa Cruz.
Ao criticar a OAB, afirmou que poderia contar a Felipe Santa Cruz, então presidente da Ordem, como o pai desapareceu, insinuando que ele "não gostaria de ouvir a verdade".
Em live no Facebook, Bolsonaro voltou ao tema e declarou que "eles resolveram sumir com o pai do Santa Cruz".
As falas geraram forte reação. Felipe Santa Cruz cobrou explicações, ressaltando que a avó faleceu sem saber o que aconteceu com o filho.
Relembre:
A OAB repudiou as declarações e manifestou solidariedade às famílias de desaparecidos políticos. Entidades jurídicas e de direitos humanos, como o IAB, Anistia Internacional e o Instituto Vladimir Herzog, exigiram esclarecimentos, enquanto o Sindicato dos Advogados do RJ classificou a fala como "desprezível".
A PFDC - Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, órgão do MPF, afirmou que Bolsonaro tinha o dever de revelar suas fontes e que a omissão de informações poderia configurá-lo como partícipe do crime de desaparecimento forçado. O órgão destacou que o Brasil já foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por negar às famílias o direito à verdade.
Diante da repercussão, Bolsonaro alegou que soube dos fatos "conversando com pessoas", mas não apresentou provas ou novas informações sobre o caso.
Em julho de 2019, Felipe Santa Cruz protocolou, no STF, ação pleiteando a notificação de Jair Bolsonaro para esclarecer as declarações feitas sobre a morte de Fernando Santa Cruz.
Da Redação
Fonte: https://www.migalhas.com.br/quentes/425758/pai-de-ex-presidente-da-oab-desapareceu-na-ditadura-conheca-historia